Dylan com café, dia 77: Basement Complete
Sempre pairou uma magia mística sobre as “Basement Tapes”, as fitas gravadas das sessões de Bob Dylan na companhia da The Band tocando no porão de uma casa rosa entre junho e outubro de 1967, um ano após Bob sofrer um acidente de moto e tirar férias das turnês até 1974. O primeiro a desdizer essa mística foi o próprio Robbie Robertson: “As sessões foram feitas com bom humor. Era algo entre o ultrajante e o cômico. Foi um tanto irritante quando as músicas começaram a ser pirateadas. Lançamos o disco (em 1975) na base do ‘já que estão documentando isso, que seja em boa qualidade’”. Do outro lado, o crítico Greil Marcus dizia que “certas linhagens fundamentais da linguagem cultural americana foram resgatadas e reinventadas” naquelas sessões. Hummm.
Veja bem, o material era de qualidade tão duvidosa que ao selecionar canções para o álbum duplo lançado em 1975, Robbie incluiu oito canções da The Band entre as 24 faixas, quatro delas nem gravadas no porão da Big Pink, para tentar levantar a qualidade do álbum. Em seu texto na The New Yorker em 1999, Alex Ross dava a real: “Dylan estava farto do papel de messias e produziu dezenas de números dolorosos da velha escola (no porão da Big Pink)”. Dúvidas? Em novembro de 2014, dentro das Bootleg Series, a Columbia Records enfim liberou a integra das sessões totalizando 138 músicas divididas em seis CDs, e como bem definiu a crítica de Sasha Frere-Jones na The New Yorker, “para cada momento de revelação há cinco descartáveis”.
Ou seja, é possível dizer que existem no máximo uns 25 números que realmente interessam neste compêndio, o que lança luz muito mais sobre os exageros da crítica da época do que, necessariamente, sobre o próprio material, já que Dylan & The Band não o estavam gravando com a finalidade de lança-lo, e sim de registrar demos para serem oferecidas a outros artistas e se divertirem destroçando clássicos do rock e do folk (de John Lee Hooker a Johnny Cash, de Hank Williams e Pete Seeger a Curtis Mayfield). Observado e ouvido com distanciamento, “The Bootleg Series Vol. 11: The Basement Tapes Complete” é um passatempo interessante (principalmente para Dylan e a The Band). Criticamente não deve nem ser levado em consideração, pois não exibe um milésimo da genialidade pré (“Bringing It All Back Home”, “Highway 61 Revisited” e “Blonde on Blonde”) e pós (“Blood on The Tracks”) “Basement Tapes”. São alguns grandes músicos se divertindo num porão. E só. Divirta-se também, mas sem exageros (de preferência seguindo esse faixa a faixa esclarecedor publicado no site oficial de Dylan em 2014).
agosto 20, 2018 No Comments