Dylan com café, dia 76: World Tours
O mundo das biografias não autorizadas populares é, na maioria dos casos, um ambiente de extrema pilantragem e canalhice em que um determinado autor reúne algumas entrevistas “bombásticas” de dois tipos de pessoas: gente que no máximo cruzou a mesma rua que o biografado, quando muito, e familiares e amigos que entram nessa pelo dinheiro, afinal, se o biografado é rico e famoso, qual o problema de se ganhar alguns trocados nas costas dele, não é mesmo.
Este “Bob Dylan – World Tours 1966/1974” (2005) também é pilantragem, mas é diferente das outras porque parece feito de coração. É sério. O diretor Joel Gilbert se vangloria de ter a melhor banda cover de Bob Dylan do mundo, a Highway 61 Revisited, e centrou o foco de seu documentário no fotógrafo Barry Feinstein, que acompanhou Dylan em seu início de carreira e em suas duas maiores turnês mundiais, além de ser responsável por fotos clássicas tais como todas deste post além das capas dos álbuns “Freewheelin” (1962), “The Times They Are A Changin‘” (1963) e “No Direction Home”, trilha sonora do documentário de Martin Scorsese.
Como já comentando por aqui, a famosa turnê de Bob Dylan em 1966 (que culminou no grito de “Judas” vindo da plateia durante um show em Manchester, na Inglaterra, flagrado no álbum “The Bootleg Series – Volume 4: Live 1966 The Royal Albert Hall Concert”, lançado em 1998) o trazia pela primeira vez alternando um set acústico, para deleite dos antigos fãs, com um barulhento set elétrico (acompanhado pela futura The Band), uma heresia que deixava algumas pessoas tão transtornadas que princípios de confusão sempre aconteciam nessa parte da apresentação. A turnê terminou abruptamente após um acidente de moto de Dylan, e, traumatizado, ele aproveitou para tirar 8 anos de férias das turnês, só retornando em 1974.
Buscando mapear esse período, “Bob Dylan – World Tours 1966/1974” traz entrevistas com o cineasta D. A. Pennebaker (diretor do obrigatório “Don’t Look Back”, documentário oficial da turnê de 1966), do jornalista Al Aronowitz (que apresentou Dylan aos Beatles), e de A. J. Weberman, o cara que remexia o lixo de Dylan nos anos 70, foi processado pelo músico, e está criando um dicionário para se entender Bob Dylan. No fim das contas, vale pelas excelentes fotos de Barry Feinstein, pela cara-de-pau de Joel Gilbert e por trechos impagáveis, como a reconstituição do (suposto) acidente de moto que afastou Dylan das turnês e da mídia em 1966.
agosto 16, 2018 No Comments
10 discos favoritos em 10 dias: Dia 7
Acho que os portugueses do Deolinda foram a minha última paixão musical avassaladora. A primeira vez que ouvir falar deles foi quando o amigo e jornalista lisboeta Pedro Salgado resenhou o show que o grupo fez em 2011 no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, para o Scream & Yell. Ler a emoção do Pedro presenciando este concerto de 25 canções, que seria lançado numa versão luxuosa em CD duplo e DVD (no centro da foto), me fez ir atrás do som desses tugas. Comecei a pesquisar mais e quanto mais lia, mais me apaixonava por essa banda que havia surgido nos intensos anos de crise econômica portuguesa, e que tinha algumas de suas músicas entoadas por manifestantes em passeatas contra o governo (notadamente os hinos “Um Contra o Outro” com seu refrão instigante – “Sai de casa e vem comigo para a rua” – e, principalmente, “Movimento Perpetuo Associativo” além de “Parva Que Sou”, inédita presente no disco ao vivo).
A popissima “Mal por Mal”, que abre o disco de estreia (“Canção ao Lado”, de 2008) virou o primeiro hit deles em casa, e depois vieram “Fon Fon Fon”, “Movimento” e a maravilhosa “Garçonete na Casa de Fado” (um dos grandes momentos das duas passagens deles pelo Brasil, São Paulo em 2013, Rio em 2016) mais algumas pérolas do segundo disco, “Dois Selos e Um Carimbo” (2010), notadamente mais “português” (e basta ouvir a hilária “A Problemática Colocação de um Mastro” para entender). Por volta dessa época (2011/2012) eu já tinha criado um elo de ligação pessoal entre uma das bandas que mais amo no Brasil, o Pato Fu, com o Deolinda, duas bandas com compositores letristas brilhantes (Pedro da Silva Martins e John Ulhoa) que escrevem letras com sacadas humoradas geniais que encontraram em duas mulheres poderosas a melhor maneira de passar a mensagem (Ana Bacalhau e Fernanda Takai).
Os discos seguintes do Deolinda, aguardados da mesma maneira que eu aguardava um disco novo da Legião nos anos 80, apenas corroboraram a genialidade do quarteto: “Mundo Pequenino” (2013) é um disco menos tuga e mais mundial, e traz consigo talvez as melhores letras da banda: “Concordância” (“Sou um sujeito, procuro um verbo e um bom complemento direto / Quero frases afirmativas e não viver em voz passiva”, crava Ana no refrão), “Gente Torta”, as brilhantes “Há de Passar” (“Tenho vontade de dizer aquilo que penso, mas tenho medo / Tenho vontade de exigir o que mereço, mas nem me atrevo”), os hits “Musiquinha” e “Seja Agora”, as divertidas “Doidos” (se Lou Reed tivesse gravado “Goodnight Ladies” em Sintra ela soaria assim) e “Semáforo da João XXI” (que narra o romance inevitável entre uma garota que ouvia Bach e um garoto que ouvia The Clash) e, minha favorita, “Pois Foi” (e vale assistir ao vídeo que o Bruno Capelas fez do show em São Paulo para sacar a beleza da letra e da interpretação de Ana – assim como ler a entrevista que ele fez com a banda em 2013).
No disco seguinte, a banda pisou no freio, e lançou o seu “Daqui pro Futuro” (o disco de 2007 do Pato Fu, e não impressiona a coincidência das duas vocalistas estarem gestando um bebê durante as gravações), o delicado “Outras Histórias” (2016), que me cativou ainda mais (e ganhou uma posterior edição deluxe dupla) tornando-os um dos cinco artistas que mais ouvi nos últimos cinco anos, segundo minha LastFM (à frente deles apenas Manics, Bruce Springsteen, Wilco e Dylan) e meu disco favorito deles hoje em dia. Em 2017, após 10 anos de atividades, o grupo anunciou uma pausa na carreira. Ana Bacalhau saiu em carreira solo e os outros músicos se envolveram em outros projetos. E enquanto eles não voltam, você tem tempo de se apaixonar por estes quatro discos… como eu me apaixonei sete anos atrás. Arrisque.
agosto 16, 2018 No Comments