10 álbuns favoritos em 10 dias: Dia 3
Entre outras coisas (sequestro da liberdade, tortura, assassinatos, corrupção), a Ditadura Militar Brasileira enfraqueceu a MPB com censura, extradições e ameaças. No fim do regime, já nos anos 80, a MPB não tinha forças nem para jogar uma pá de cal numa Ditadura moribunda, e coube ao rock, notadamente anglo-saxão (e “inspirado” em Smiths, U2, Gang of Four, The Jam, The Police, Buzzcocks), cantar que a gente era inútil para escolher presidente (e parece que ainda somos), mandar coelhinhos peludos se foderem enquanto a questão central permanecia sem resposta: que país é este? Em 1988, porém, um disco reconectou o Brasil com seu passado mirando um futuro carnavalesco e psicodélico ao juntar Jimi Hendrix e Noel Rosa, o Gil de “Pega a Voga, Cabeludo” (1968), o Led Zeppelin de “Whole Lotta Love” e a batida suingante de Jorge Ben, estandartes em plena avenida, pierrots apaixonados, Wolverine e navegantes aflitos, tudo isso de uma maneira… “Supercarioca”.
Uma obra prima daqueles anos em que “enquanto perdíamos tudo, a tragédia vira festa de um calor quente e tropical”, o segundo disco dos Picassos Falsos soava muito, mas muito à frente de seu tempo ao tentar reconectar um Brasil que os anos de chumbo haviam soterrado utilizando o mantra de um pós punk que encontra um samba torto perto do Cristo Redentor e o entorpece de riffs de guitarra, batidas nervosas de violão e microfonia decorando-o com a mais bela poesia das ruas. Ouvindo hoje, “Supercarioca” é praticamente um retrato de um Rio, em primeiro plano, e de um novo Brasil que desembocaria, anos depois, nos saques a supermercados do triste final do governo de Fernando Collor, e no Brasil que vemos hoje. “Chamam de pátria nossa miséria, tanta folia”, canta Humberto Effe em “Fevereiro 2”. Já em “Fevereiro 1”, ele avisa: “Um navegante pronunciou aflito com seus escritos e só / Que uma cidade julgada a mais bela em poucos dias viraria pó”.
Um clássico subestimado, “Supercarioca” é um disco de hinos carnavalescos roqueiros. Mais do que “Bora Bora” (apesar de “Sanfona” <3), mais do que Mauro e Quitéria em “Miséria”, mais do que “O Estrangeiro”, esse é o disco que me reconectou com o Brasil numa época em que todo mundo queria soar inglês para, talvez, esquecer um país que, durante anos, havia nos maltratado, com paus de arara, choques elétricos e afogamentos, um Brasil que havia nos traído. “Estou feliz por quem já não existe”, define a letra de “Bolero”, uma das grandes canções de um álbum repleto de grandes canções. Pode parecer estranho que um paulistano morador da Moóca e nascido no bairro do Belenzinho, que viveu quase duas décadas no interior paulista tenha sido tão tocado por um disco supercarioca, mas aconteceu. Felizmente.
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