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Posts from — março 2018

Dylan com café, dia 35: Good As I Been To You

Bob Dylan com café, dia 35: Até 1987, Bob saia sempre em turnê escudado pelos músicos e bandas mais variados (incluindo The Band, Tom Petty & The Heartbreakers e Grateful Dead), mas as coisas mudaram em 1988, quando decidiu não mais fazer turnês temáticas de álbuns, e viver na estrada eternamente com um grupo fixo de pistoleiros de aluguel (a formação atual está junta desde 2010 e Tony Garnier, o baixista, acompanha Dylan desde 1989): nascia a Never Ending Tour (A Turnê Sem Fim), que hoje (literalmente, já que ele se apresenta neste sábado em Barcelona) soma 2910 shows e segue com mais 47 concertos agendados até junho, sem parar. Já no começo dessa turnê, em 1988, Dylan exercitava, em momentos acústicos solo durante os shows, alguns covers variados de canções folclóricas, e foi numa breve pausa da turnê sem fim, em 1992, que Bob entrou em um estúdio em Chicago para gravar um disco com essas canções tradicionais acompanhado de bandolim, violino, overdub de metais e coro. O álbum chegou a ser mixado, mas Bob descartou o material, se enfurnou em seu estúdio caseiro em Malibu (o mesmo que viu o nascimento dos Traveling Wilburys) e regravou todas as canções de maneira nua, crua, apenas voz e violão, eventualmente uma gaita (em duas faixas), e só. A ideia de Dylan era voltar “pessoalmente à música que me é verdadeira”. O resultado é “Good As I Been To You”, seu 28º disco, lançado em novembro de 1992. São 12 canções que combinam a perfeição com o fiapo de voz de Dylan à época: em “Frankie & Albert” (de 1912, gravada por Mississippi John Hurt e Leadbelly), Albert a trai e Frankie o assassina. Em “Black Jack Davey” (1740), uma garota de 16 anos se apaixona por um cigano e abandona bebê e marido para segui-lo. Já no folk inglês “Canadee-I-O” (1839), o amor de uma garota é o mar, e ela encanta primeiro um marinheiro (para desespero da tripulação), e depois o capitão, que se casa com ela, que viverá no navio admirando o mar azul. Já na canção apalache “Little Maggie”, a moça tem um apaixonante par de olhos azuis, e também um rifle no ombro e uma pistola na mão. Na incrível cantiga britânica “Froggie Went A-Courtin’” (1549), um sapo vai se casar com uma ratazana, e eles irão armar uma grande ceia com vacas, pulgas, abelhas, carrapatos e cobras, mas o final da festança será tragicamente estrelado por um gato e um pato. Só sobrará uma broa de milho. Outra pérola é a canção anti-guerra irlandesa “Arthur McBride” (1840). O disco será tão bem recebido que ganhará uma sequencia no ano seguinte, mas isso é assunto para outro café.

Especial Bob Dylan com Café

março 31, 2018   No Comments

Wilco: a reedição do álbum “Being There”

Segundo disco do Wilco, que abriu as portas do alternative country para a turma de Jeff Tweedy quando lançado em 1996, “Being There” ganhou uma reedição quíntupla em 2017 com um material raro vastíssimo. Esse é o tema do Scream & Yell Vídeos abaixo!

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março 31, 2018   No Comments

Dylan com café, dia 34: Bootleg Series 1

Bob Dylan com café, dia 34: Em novembro de 1969, Greil Marcus, um dos maiores jornalistas de música de todos os tempos, escreveu um longo artigo de cinco páginas na revista Rolling Stone chamado “Bob Dylan: Breaking Down The Incomplete Discography”. No texto, Marcus lamentava que “em oito anos, Bob Dylan lançou apenas nove álbuns” (!) e listava uma longa série de bootlegs não autorizados que ampliavam o alcance do olhar sobre a obra do (então) jovem bardo. A Columbia sinalizou o desejo de combater algumas fontes de pirataria colocando nas lojas, de forma desajeitada, um volume duplo das “Basement Tapes” (1975) que deve ter feito muito pirateiro rir, já que o material lançado não cobria nem 1/5 do que circulava entre os fãs. O segundo passo da gravadora foi um pouco mais ousado: 21 faixas raras presentes no box “Biograph” (1985), que serviram para atiçar a curiosidade de muitos fãs, mas era apenas a ponta de um gigantesco iceberg: cada disco novo de Bob Dylan (desde os anos 60!) surgia “acompanhado” de um álbum duplo pirata, muitas vezes triplo, com as raridades presentes nas sessões de gravação, desde canções acabadas e inéditas que ficaram de fora do disco por algum motivo até versões embrionárias que seriam retrabalhadas a exaustão até o último minuto a que Bob tinha direito de mexer ou mudar algo.

Parte desse material começou a ser mostrado ao mundo em 1991 com esse box (a gravadora chegou a cogitar lançar 10 CDs, mas acabou diminuindo para quatro, e finalmente para três CDs – divididos em cinco vinis, seu segundo lançamento quíntuplo, e três cassetes) caprichado que trazia nada menos que 58 faixas raras, algumas delas nunca ouvidas nem pelos melhores pirateiros do mercado! Lançado em março de 1991, “The Bootleg Series – Volumes 1/3” era, até então, o mais completo panorama da obra de Bob lançado pela Columbia Records registrando de maneira oficial desde canções que Bob havia gravado antes do primeiro álbum, em 1961, até o magnifico “Oh Mercy”, de 1989, aqui representado pela sobra “Series of Dreams”, uma faixa “fantástica e turbulenta”, segundo o produtor Daniel Lanois, que a queria no disco, “mas a palavra final era dele (Dylan)”. Tal qual ela há cinco pepitas de ouro do álbum “Infidels”, incluindo a velvetiana versão inicial de “Tight Connection To My Heart” (aqui listada como “Someone’s Got a Hold of My Heart”) e as sensacionais “Tell Me”, “Foot of Pride” e, principalmente, “Blind Willie McTell”, que fizeram o biografo Brian Hilton lamentar que Bob não tenha feito deste disco um álbum duplo (“Teria rivalizado com ‘Blonde on Blonde’”, acredita) e muitos momentos geniais que validam a máxima de que as “sobras” de Bob Dylan são melhores do que grande parte dos álbuns oficiais “dos outros”. Não é exagero.

Das 58 raridades, 25 são do período que vai de 1961 a 1963, desenhando um Dylan muito mais completo e complexo. Por exemplo, o material final escolhido para os dois primeiros discos – “Bob Dylan” (1962) e “The Freewheelin’ Bob Dylan” (1963) – era muito mais leve, com requintes de humor, enquanto o que ficou de fora exibe traços de amargura, raiva e frustração. Basta comparar a sarcástica e bem humorada “Talking New York”, gravada em novembro de 1961 e presente no disco de estreia, com a amarga e hostil “Hard Times in New York Town”, registrada em um quarto de hotel em dezembro de 1961, e inédita até 1991. “Subterranean Homesick Blues” surge numa versão demo acústica deliciosa, que serviu como guia para a banda eletrificada soltar os cachorros no arranjo. Outra guia comovente é a de “Like a Rolling Stone”, tocada por Bob em andamento de valsa para climatizar os músicos na sua grande criação. Há mais: da demo de “If Not For You”, do álbum “New Morning”, com George Harrison na guitarra (ele depois regravaria a canção no clássico “All Things Must Pass”, de 1970) a quatro lendários takes nova-iorquinos da obra prima “Blood on the Tracks” (1975) até uma pérola desconhecida das sessões do álbum (evangélico) “Shot of Love” (1981) chamada “Angelina”. Com cerca de quatro horas de duração, “The Bootleg Series – Volumes 1/3” merece atenção, dedicação e respeito. Mas, como descobriríamos futuramente, ainda é só a ponta do iceberg – só para se ter uma ideia, a versão pirata “The Genuine Bootleg Series” (dividida em quatro volumes de fácil acesso no Youtube – ou aqui: 1, 2, 3, 4) soma quase 10 horas de raridades. Mergulhe!

Especial Bob Dylan com Café

março 30, 2018   No Comments

Dylan com café, dia 33: Red Sky

Bob Dylan com café, dia 33: Lançado em setembro de 1989, “Oh Mercy” ainda estava colhendo críticas positivas e aparecendo em listas de melhores do ano quando, em janeiro de 1990, Bob já estava gravando as canções do álbum que o sucederia. Daniel Lanois havia colocado Dylan nos eixos, mas Bob ainda estava inseguro, deglutindo o processo, e decidiu chamar os irmãos David e Don Was para produzir o novo disco, que traria uma constelação de convidados especiais (Lanois e Dylan voltariam a se encontrar ainda nos anos 90 para parirem, juntos, outra obra prima, mas isso só aconteceria em 1997). Lançado em setembro de 1990, “Under The Red Sky” é muito mais cru e menos polido que “Oh Mercy” além de ter um viés infantil, inspirado em canções de ninar endiabradas e repletas de mistério (o álbum é dedicado a então filha mais nova de Bob, que tinha quatro anos na época), algo que a crítica não entendeu / recebeu tão bem. Recém-convertido a rock star, o guitarrista Slash (que havia gravado com Iggy Pop no grande disco “Brick By Brick”, também produzido por Don Was) marca presença colocando peso em “Wiggle Wiggle”, dois minutinhos de sacanagens sexuais.

George Harrison sola uma slide guitar lentamente e belamente na faixa título. Al Kooper toca teclado no rockabilly sério (e longo demais) “Unbelievable” enquanto Bruce Hornsby (pós “The Way It Is” e Grateful Dead e pré carreira solo) participa da balada “Born In Time”, que flagra um pai conversando com a filha, e da assustadora “TV Talkin’ Song”, que retrata um homem enforcado em pleno Hyde Park, em Londres, devido a abuso infantil (“The man was saying something ’bout children when they’re young being sacrificed to it while lullabies are being sung”) e como a mídia lida e populariza o caso. O lado B do vinil traz os irmãos Jimmy e Stevie Ray Vaughan nas misteriosas “10,000 Men”, em “Cat’s in the Well”, que acaba soterrada pelo excesso de instrumentos, e em “God Knows”, uma sobra de “Oh Mercy” que Daniel Lanois tentou fazer acelerada, mas Don Was acertou em diminuir o andamento (procure algum bootleg com as sessões de “Oh Mercy” para sacar a diferença). Simpática, “2×2” traz Elton John solando o piano elétrico, David Crosby nos backings, David Lindley encantando no bouzoki e Paulinho da Costa na percussão. Ainda hoje, “Under The Red Sky” soa misterioso, estranho, inacabado e menor que “Oh Mercy”, mas ainda assim interessante.

Especial Bob Dylan com Café

março 29, 2018   No Comments

Dylan com café, dia 32: Oh Mercy

Bob Dylan com café, dia 32: Os anos 80 foram cruéis com muita gente, e Dylan deve estar numa posição de destaque na fila de desastres. A década estava enfim acabando, era 1989, e seu último disco digno havia saído seis anos antes, em 1983 (“Infidels”). Sua carreira tinha seguido até então no piloto automático, sem grandes novidades, mas muitos senões. “Eu estivera numa turnê de 18 meses com Tom Petty e os Heartbreakers. Tom estava no auge do lance dele, e eu no fundo do meu”, escreveu Bob no livro “Crônicas” sobre a virada de 1986 para 1987. Ele sabia que algo estava errado. Seu resumo do período é crítico: “Sempre prolifica, mas nunca exata, minha trilha musical se transformara numa selva de trepadeiras por causa do excesso de distrações. (…) Eu me sentia acabado, um traste vazio completamente consumido. Onde quer que eu vá, sou um trovador dos anos 60, uma relíquia do folk rock, um artesão da palavra de tempos passados, um chefe de Estado fictício de um lugar que ninguém conhece. Estou no inferno do esquecimento cultural”. Era isso e algo precisava ser feito. Mas o que?

Bem, a inspiração. A narrativa de como “Oh Mercy”, o grande disco que Bob lançaria em setembro de 1989, surgiu é extremamente lírica, e merece a leitura completa do capítulo 4 do livro “Crônicas”. Resumindo, Bob rasgou a mão até os ossos num acidente, e precisou ficar de molho. Seu plano inicial era… aposentadoria, mas os anjos malditos da inspiração começaram a fazer brotar canções, que ele escrevia e jogava numa gaveta. Certo dia, Bono (U2) apareceu para jantar com uma caixa de Guinness. O papo se estendeu madrugada adentro e Bono perguntou a Bob se ele não tinha nada novo, inédito, alguma canção que estivesse trabalhando. Bob mostrou o material que estava na gaveta e Bono ligou para Daniel Lanois dali mesmo, e colocou os dois em contato. “Ele falou que discos de sucesso não lhe interessavam”, lembra Bob. “Miles Davis nunca fez nenhum”, justificou Lanois. “Para mim estava ótimo”, concordou Dylan.

A gravação posterior em New Orleans (“Existem muitos lugares de que gosto, mas New Orleans é o que mais gosto. É uma cidade que mantém a magia”, descreveria Bob) passou por momentos tensos até Lanois e Dylan se conectarem, mas o resultado foi grandioso: a distópica “Political World” (“um rockabilly do inferno”, descreve Brian Hinton), “Everything Is Broken” (que ganhou clipe dirigido por Jesse Dylan), “Most of the Time” (que Lanois definiu como “o som dos pântanos da Louisiana”), a transcendental “Shooting Star” e o relato da tentação em “Man In The Long Black Coat” estão, facilmente, entre as melhores coisas que ele gravou nesta década. E as outras não ficam atrás (Deus, até as canções dispensadas – que apareceriam em The Bootleg Series Vol. 8 – são de alto nível, como é o caso de “Dignity” – piratas variados como “Mercy on Us“, “Oh, Merci, I’m Lucky” e “Ring Them Bells” trazem as sessões completas de New Orleans) .

Apesar de Dylan dizer que o disco recebeu boas críticas, mas “críticas não vendem discos”, “Oh Mercy” (cuja arte da capa é uma foto de um grafite localizado na 53rd com a  9ª avenida, em Hell’s Kitchen, Nova York) bateu no número 30 da Billboard ficando atrás apenas de “Infidels” (que alcançou a 20ª posição) e “Saved” (que chegou ao número 24). Ainda assim, a importância maior de “Oh Mercy” é reconectar Dylan com sua arte no momento em que ele duvidava do futuro. Foi um passo decisivo para coloca-lo no mapa novamente, e permiti-lo seguir em frente para encontrar o sucesso nos anos 2000 (futuramente, dois discos de Dylan irão chegar ao topo das paradas, outro baterá na 3ª posição, um quarto álbum chegará ao 5º lugar e outro alcançara o Top 10. Mas tudo isso é assunto para outros cafés)…

Especial Bob Dylan com Café

março 27, 2018   No Comments

Dylan com café, dia 31: Grateful Dead

Bob Dylan com café, dia 31: Entre fevereiro e agosto de 1986, Bob Dylan saiu escudado por Tom Petty and The Heartbreakes na turnê “mundial” True Confessions, e ainda que os álbuns do período estivessem sendo achincalhados pela crítica, Bob ficou bastante feliz com o resultado na estrada – que pode ser conferido no DVD “Hard To Handle”, registro da passagem da turnê pela Austrália. Após se juntar ao U2 no lendário Sun Studios, em Memphis, para gravar “Love Rescue Me” no começo de 1987, Bob Dylan achou uma boa ideia aceitar o convite do Grateful Dead para reinventar algumas músicas antigas em uma mini turnê de verão.

O que Jerry Garcia não esperava era que quem daria as cartas seria Bob, e que qualquer desvio da visão dele quanto a como tocar uma música não seria tolerado. Ou seja, o Grateful Dead, uma banda apaixonada por jams sessions, estava amarrada com rédeas curtas à grosseria e a insensatez de Bob Dylan no palco. “Você precisa prestar atenção para não cometer erros à medida que ele faz o que quer e todos tentam tocar a canção”, resumiu Jerry, completando: “Ele é engraçado. Tem uma personalidade camaleônica. Não é que estávamos brigando com ele, mas ele não tem uma concepção clara sobre duas coisas importantes na música: como começar e terminar uma canção”. Ainda assim, o resultado de “Dylan & The Dead”, com sete canções retiradas de quatro shows em julho de 1987, e lançadas oficialmente apenas em fevereiro de 1989, poderia ter sido melhor, defendem os fãs exibindo o álbum triplo pirata “The French Girl” (de sessões de Dylan com os Dead em estúdio em San Rafael, na Califórnia) como testemunho (além do álbum “Garcia Plays Dylan”, lançado postumamente em 2005).

David Fricke, na Rolling Stone, reforça a ideia: “Dois destaques da turnê, a transformação elétrica de ‘It’s All Over Now, Baby Blue’ e o rejuvenescimento de ‘Stuck Inside of Mobile with the Memphis Blues Again’, não estão incluídos no álbum” e segue impiedoso: “Apesar da presença do Grateful Dead, esse é um típico álbum oitentista de Bob Dylan: fascinante pela expectativa que cria, frustrante na maneira com que erra o alvo”. Entre as faixas escolhidas, duas músicas da fase cristã de Dylan, “Slow Train” e “Gotta Serve Somebody”, crescem bastante nesse registro, ainda que a voz de Bob soe preguiçosa. Já “I Want You”, que havia sido convertida em drama num dos raros bons momentos de “At Budokan”, soa um countryzinho vagabundo aqui. A voz também fica devendo em uma das melhores versões instrumentais (com arranjo sugado de Jimi Hendrix) de “All Along the Watchtower”. Na mesma trilha estão “Knockin’ On Heaven’s Door” e “Joey”, mas “Queen Jane Approximately” surpreende. A sensação final que fica é de que a banda soa presa a Dylan tanto quanto Dylan soa preso a banda, e, impossibilitados de voarem juntos, Dylan & The Dead devem fracassar juntos. E eles conseguiram. No All Music, Stephen Thomas Erlewine arrematou: “Possivelmente o pior álbum de Bob Dylan. E o pior do Grateful Dead”.

Especial Bob Dylan com Café

março 26, 2018   No Comments

Dylan com café, dia 30: Groove

Bob Dylan com café, dia 30: Só pra dar ideia do nível de perdição de Dylan na segunda metade dos anos 80, certo dia Steve Jones (Sex Pistols) recebe um telefonema: “Eu não o conhecia pessoalmente e nunca tinha falado com ele, mas ele me liga e diz: ‘Você conseguiria montar uma banda para fazermos umas sessões de estúdio?”. Jones escalou Paul Simonon (Clash) pro baixo e mais uns pistoleiros de aluguel, e o grupo sofreu por uma noite tentando acompanhar Dylan. Eric Clapton disse certa vez: “No estúdio, você precisa estar atento à mão dele, sempre, senão você irá se perder”. Ron Wood e Sly Dunbar reforçam: “Ele muda o tom da mesma música quatro, cinco vezes, a banda fica confusa”. Uma música dessas sessões com Jones e Simonon, “Sally Sue Brown”, sobreviveu ao disco que Dylan lançou em maio de 1988, “Down in The Groove”, um álbum cuja produção tenta capturar a banda ao vivo, e consegue soar melhor do que em “Empire Burlesque” (1985) e, principalmente, “Knocked Out Loaded” (1986), mas ainda assim o resultado é mediano.

Ainda em crise criativa, Bob assina apenas duas canções entre as 10 do álbum, sendo que a melhor, “Had a Dream About You, Baby”, traz Clapton na guitarra, Ron Wood no baixo e foi feita para a trilha do filme “Corações de Fogo” (1987). Outra duas, Dylan divide com Robert Hunter, letrista do Grateful Dead, e ambas são bem honestas, ainda que Brian Hilton se aborreça com o fato de Bob ter três membros do Grateful Dead em estúdio e usa-los em vocais: “Parece certo desperdício”. De resto, standarts no piloto automático para tapar o buraco da insegurança com material próprio: “Let’s Stick Together” diverte, “When Did You Leave Heaven?” constrange, “Ninety Miles an Hour (Down a Dead End Street)” fica no meio do caminho e “Rank Strangers To Me”, voz, violão e baixo, não compromete, mas também não encanta. O fantasma das sobras de “Empire Burlesque” também marca presença em “Down in The Groove”, mas aqui com uma grande canção num arranjo simplista demais, por isso ouça “Death Is Not the End” na versão do álbum “Murder Ballads” (1996), com Nick Cave acompanhado por PJ Harvey, Shane MacGowan (The Pogues) e Kylie Minogue.

Um Ps. “Down in The Groove” foi lançado em maio de 1988. Um mês antes, em abril, Bob Dylan cedeu sua garagem em Malibu para que George Harrison trabalhasse em um b-side a pedido da Warner Brothers. George convidou Jeff Lynne para ajudar na canção e Roy Orbison para participar da gravação. Necessitado de uma boa guitarra emprestada, George bateu à porta de Tom Petty, e além de levar o instrumento, levou o líder dos Heartbreakers consigo para a sessão. Quando Harrison apresentou a música à gravadora, os executivos a acharam tão boa que era um desperdício lançarem-na como um b-side. George e Lynne então decidiram montar uma banda, um papo que já estava rolando entre eles há algum tempo. Convidaram primeiro Tom Petty e depois telefonaram para Bob, que topou participar. Naquela noite, George Harrison, Jeff Lynne e Tom Petty partiram atrás de Roy Orbison, que iria se apresentar no Celebrity Theater, em Anaheim. O convite foi feito um pouco antes de Roy subir ao palco, e ele aceitou. Na descrição de Tom Petty, Orbison fez um “show inacreditável”, durante o qual “nós socávamos um ao outro e dizíamos: ‘Ele também está na nossa banda'”. Nascia o Traveling Wilburys. O disco sairia em outubro de 1988.

Especial Bob Dylan com Café

março 23, 2018   No Comments

News: Snow Patrol, Courtney Barnett e mais

Quebrando um silêncio de sete anos sem material inédito, o Snow Patrol solta o primeiro single de “Wildness”, o sétimo álbum do grupo, com data de 25 de maio para ser liberado. Trata-se de “Don’t Give In”, uma faixa tipicamente Snow Patrol de “Fallen Empires” (2011). Mais do mesmo? Assista.

De Ontario, no Canadá, o trio Basement Revolver apresenta o clipe “Lake Steel Oil”, uma declaração de amor à cidade de Hamilton: “Temos nossas vidas separadas, mas todos nós encontramos um lar (de uma forma ou de outra) em Hamilton. É o que nos uniu como banda”, diz a vocalista Chrisy Hurn. O clima da canção me encantou. Se quiser ouvir mais, cá está o Bandcamp deles.

O trio cyberpunk britânico Flesh Eating Foundation está com seu novo álbum no gatilho. “We Are Fucked” é o nome do disco, que tem planos de lançamento para 01 de maio. Donald Trump “estrela” o clipe de ‘We Are Fucked Radio Edit’ (a.k.a. We Are Censored)”. Cola no Bandcamp deles também!

“Modern Belle” é o novo single do Quiet as a Mouse, quarteto de Edimburgo, na Escócia. A canção adianta o que vem por ai no primeiro álbum dos caras, “Is it Funny When it Hurts?”. Assista ao clipe.

Segundo single do disco novo de Courtney Barnett, precedido pela excelente “Nameless, Faceless“, a faixa “Need A Little Time” soa mais calma, mas só no clima, já que a letra pega pesado: “Todo mundo quer opinar / Sempre esperando por um acidente de carro” ou “Abra seu interior / Mostre seu lado mais insano / Eu vou arrancá-lo cuidadosamente / Eu te prometo que não irá sentir nada”. O clipe está a altura! Confira. “Tell Me How You Really Feel. Need A Little Time”, o disco novo de Courtney, será lançado 18 de maio!

Confira outras novidades

março 22, 2018   No Comments

Dylan com café, dia 29: Loaded

Bob Dylan com café, dia 29: Mantendo o mesmo modus operandi (que não deu lá muito certo) de “Empire Burlesque” (1985), Bob Dylan saiu novamente peregrinando por estúdios com uma gama diversa de músicos diferentes atrás de alguma fonte de inspiração. Desta vez, mais de 40 nomes engrossam a ficha técnica do álbum (desastroso), que viria a ser lançado em agosto de 1986 com o título de “Knocked Out Loaded”. Se em “Empire Burlesque” ele havia percebido que não havia nenhuma liga entre as canções, e chamou Arthur Baker para tentar dar um jeito na bagunça, em “Knocked Out Loaded” nem isso ele fez. Vivendo um momento agitado em sua vida pessoal, recém-casado com a backing vocal de sua banda Carolyn Dennis após o nascimento da filha Desiree, pensar num disco deveria ser a última coisa que passava na cabeça de Bob Dylan em 1986, e o repertório de “Knocked Out Loaded” reflete esse desleixo. O disco soa como deveria ter sido “Empire Burlesque” sem a mão de Arthur Baker, e acho que precisamos agradecê-lo por ao menos ter dado um som padrão ao álbum. Aqui, no entanto, reina o caos.

É neste disco também que Dylan começa a dar sinais de crise criativa: das oito canções do álbum, ele interpreta três de material alheio, divide a autoria com outra pessoa em outras três e só assina sozinho duas sobras de “Empire Burlesque” (sem a mão do Arthur). Se a safra de canções do disco anterior não era tão boa, imagina as que ficaram de fora dele: “Maybe Someday” é um bagunça. Já “Driftin’ Too Far from Shore” (com Ron Wood na guitarra) não faria tão feio no disco anterior, mas aqui soa deslocada. O disco é aberto com um cover de 1955 de Little Junior Parker, “You Wanna Ramble”, um rockabilly cafajeste com bateria datada. Na sequencia, uma bobagem de Kris Kristofferson (“They Killed Him”), e uma canção gospel dos anos 20, “Precious Memories”, numa levadinha reggae. O que vale prestar atenção nesse disco (que renderia um bom compacto): a quilométrica “Brownsville Girl”, parceria com Sam Shepard cuja narrativa fantástica sobrevive ao arranjo sofrível de teclado emulando “Patches” (versionada no Brasil para “Marvin”, pelos Titãs) e “Got My Mind Made Up”, com Bob sendo escutado por Tom Petty & The Heartbreakers (que deveriam ter gravado o álbum todo), o que não salva um álbum sofrível. Até aqui, o pior disco de Bob Dylan lançado com o aval de Bob Dylan. Disparado.

Especial Bob Dylan com Café

março 22, 2018   No Comments

Dylan com café, dia 28: Biograph

Bob Dylan com café, dia 28: “Ele está tentando soar contemporâneo”, provocou um crítico sobre “Empire Burlesque” (o café de ontem), e Bob respondeu: “Não conheço nada de música nova. Ainda continuo ouvindo Charlie Patton”. Porém, quem sentia saudades do trovador “das antigas” teve uma grande surpresa no final de 1985: apenas quatro meses após “Empire Burlesque” chegar às lojas, um box quíntuplo em vinil surgia para saciar os baby boomers. Com 53 faixas, 21 delas raras (entre singles, b-sides, sobras de estúdio e takes inéditos), livreto de 42 páginas com texto de Cameron Crowe, fotos e comentários de Bob sobre cada canção, “Biograph” bateu no número 33 da Billboard, um sucesso que pode ter motivado tanto a criação das “Bootleg Series” (em 1991) quanto o lançamento (também via Columbia) do box quíntuplo “Live 1975–85”, de Bruce Springsteen, em 1986.

Pirateado toda vida, Dylan abre o baú, mas faz pouco caso: “A maioria dessas canções já saiu em discos piratas. Não há nada que não se conheça. É só uma nova embalagem que irá custar caro”. Bobagem, “Biograph” é um tesouro, mas é necessário se transportar a 1985 para entender o valor desta caixinha (editada também em três CDs), já que lançamentos posteriores (como a série de shows de 1966) ampliaram o alcance do material raro encontrado primeiramente aqui. Na temporada em que serviu de babá para o filho de Nico (do Velvet Underground) com Alain Delon, Dylan terminou “I’ll Keep It with Mine”, que ele havia escrito na Grécia para ela, e a versão definitiva está no clássico (dela) “Chelsea Girl” (1967), mas essa versão encontrada aqui, ao piano, soa delicada (uma segunda versão sairá em “Bootleg Series 1-3”, outra no “9” e diversas no “12”).

“Mixed-Up Confusion” foi a primeira tentativa de Dylan eletrificar seu folk, em 1962 – a versão acústica que saiu em single está em “Side Tracks” (2013) – e soa curiosa. O nível aqui é tão alto que se você juntar 10 sobras presentes em “Biograph” num vinil você terá um forte concorrente a disco do ano (de qualquer ano). Façamos o teste: a arrebatadora “Percy’s Song” e “Lay Down Your Weary Tune” (ambas de sessões em 1963) mais “Quinn The Eskimo” (das sessões de “Basement Tapes”, de 67) “Up To Me” (sobra de “Blood on The Tracks” gravada em 73), “Abandoned Love” (uma pérola das sessões de “Desire”, em 75), “Caribbean Wind” (grande faixa das sessões de “Shot of Love”, de 81), a demo acústica de “Forever Young” (74), uma ainda mais cigana versão alternativa e endemoniada de “Romance in Durango” (75), uma religiosa e linda “Heart of Mine” (1981) ao vivo em New Orleans e a versão acústica ao vivo de “Visions of Johana” registrada no Royal Albert Hall, Londres (66). Uou!

Especial Bob Dylan com Café

março 21, 2018   No Comments