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Nick Cave no cinema… novamente

Após as experiências com “Nick Cave: 20 Mil Dias na Terra” (leia resenha), de Iain Forsyth e Jane Pollard em 2014, e “One More Time With Feeling” (leia resenha), de Andrew Dominik em 2016, Nick Cave & The Bad Seeds retornam às telas de cinema, desta vez por uma noite (e antes dos shows no Brasil), compartilhando uma apresentação da sua celebrada turnê mundial de 2017.

Filmado na Royal Arena de Copenhagen em outubro de 2017, “Distant Sky” captura Nick Cave & The Bad Seeds tocando novas composições do álbum “Skeleton Tree” (2016) ao lado de hits da carreira da banda. Os primeiros shows do grupo em três anos provocaram uma resposta ensandecida de fãs, críticos e amigos, renovando um relacionamento profundo e íntimo onde quer que o grupo tocasse.

Dirigido pelo premiado cineasta David Barnard, “Distant Sky” será exibido em 500 salas de cinemas ao redor do mundo no dia 12 de abril. No mapa oficial já constam locais de exibição em São Paulo, Rio de Janeiro e Ribeirão Preto. Assista ao trailer abaixo e confira o set list completo do show em Copenhagen.

Anthrocene
Jesus Alone
Magneto
Higgs Boson Blues
From Her to Eternity
Tupelo
Jubilee Street
The Ship Song
Into My Arms
Girl in Amber
I Need You
Red Right Hand
The Mercy Seat
Distant Sky (feat. Else Torp nos vocals)
Skeleton Tree

Bis:
The Weeping Song
Stagger Lee
Push the Sky Away

fevereiro 15, 2018   No Comments

Bruce Springsteen explica “Born in the USA”

“Alguns livros, algumas palhetas de guitarra espalhadas e um suporte de gaita se digladiavam com as migalhas de um lanche, roubando espaço do meu bloco de notas. Um abajur antigo iluminava o roteiro que estava em cima da mesa e que havia sido enviado por Paul Schrader, roteirista que havia escrito “Taxi Driver” e “Vivendo na Corda Bamba”, dois dos meus filmes favoritos dos anos 70. Toquei alguns acordes na minha Gibson J200 queimada pelo sol, percorri as folhas do meu bloco de notas, parei numa página e murmurei o verso de uma canção em que estava trabalhando sobre os veteranos da Guerra do Vietnã que voltavam para casa. Dei uma olhada na primeira página do roteiro ainda por ler e cantei o título: “Born in the USA”.

Peguei “Born in the USA” diretamente do roteiro do Schrader, uma história sobre as aventuras e desventuras de uma banda de bar de Cleveland, Ohio, que acabou por ser lançado com o título de “Light of Day” em 1987 (no Brasil, “Luz da Fama”), incluindo uma canção minha com o mesmo título, tentativa educada de retribuir ao Paul aquele roubo imprevisto que acabaria por dar um empurrão à minha carreira. No estúdio Hit Factory, observei que tinha em mãos uma letra, um grande título, dois acordes e um riff de sintetizador, mas não tinha um arranjo. Era o nosso segundo take. Um turbilhão de som vindo do amplificador Marshall soou nos meus fones. Comecei a cantar. A banda me seguiu de perto num arranjo improvisado e, na bateria, Max Weinberg fez uma de suas melhores atuações em estúdio. 4 minutos e 39 segundos depois, “Born in The USA”, a música, ficava pronta. Soava como se tivéssemos conseguido prender um relâmpago dentro de uma garrafa.

13 anos depois do fim da Guerra do Vietnã, escrevi e gravei a minha história de um soldado. Era uma canção de protesto, e quando a ouvi trovejando através das gigantescas colunas do estúdio, soube logo que era uma das melhores coisas que já tinha feito. Era um blues de soldado americano, em que os versos eram um relato do que aconteceu, e o refrão uma declaração da única coisa que jamais poderia lhe ser negada: o lugar do nascimento, o direito a todo o sangue, confusão, bênçãos e graça que vinham com ele. Ao darmos corpo e alma, ganhamos o direito de reclamar e moldar o pedaço de terra onde nascemos.

“Born in The USA” se mantém como uma das minhas melhores e mais incompreendidas canções. A combinação dos seus versões blues “para baixo” com o refrão declarativo “para cima”, a exigência do direito de ter uma voz patriótica “crítica”, juntamente com o orgulho do lugar onde se nasce, parecia ser conflituosa demais (ou simplesmente incômoda!) para ouvidos despreocupados e menos perspicazes. É assim, meu amigo, que a bola do pop político pode rolar. Os discos são, muitas vezes, testes auditivos de Rorschach: ouvimos aquilo que queremos ouvir.

Durante anos e anos após o lançamento do meu álbum campeão de vendas, na época do Halloween, havia sempre criancinhas com bandanas vermelhas batendo à minha porta, com seus sacos de doces ou travessuras na mão e cantando ”I was born in the USA”. A canção “This Land Is Your Land”, de Woody Guthrie, acabou tendo o mesmo destino, tornando-se presença habitual nas férias em acampamentos, mas isso não me fazia sentir melhor (quanto Pete Seeger e eu cantamos “This Land Is Your Land” na posse do presidente Barack Obama, um dos pedidos do Pete foi que cantássemos todos os contraversos escritos por Woody, pois ele queria recuperar a radicalidade da canção).

Em 1984, ainda por cima um ano de eleições, com o Partido Republicano querendo cooptar até o cu de uma vaca se houvesse uma tatuagem da bandeira dos Estados Unidos nele, o presidente em exercício, Ronald Reagan, acabou distribuindo cinicamente por todo o Estado o seu agradecimento à “mensagem de esperança nas canções… do filho de New Jersey, Bruce Springsteen” numa estratégia de campanha, e, bem… vocês sabem o resto. Em contrapartida, Bobby Muller, àquela altura presidente do Vietnam Veterans of America, foi o primeiro cara a quem mostrei a versão final de “Born in The USA”. Ele entrou no estúdio, sentou-se e aumentei o volume. Ele escutou durante alguns momentos e depois deu um largo sorriso.

Um compositor escreve para ser compreendido. Será uma tomada de posição política? Será que o som e a forma da canção transmitem o seu conteúdo? Vindo do disco “Nebraska”, eu tinha acabado de fazer isso de ambas as formas, mas aprendi uma lição de como o pop e a imagem do pop eram apreendidos. Ainda assim, eu não teria feito qualquer desses discos de forma diferente. Ao longo dos anos, tenho tido a oportunidade de reinterpretar “Born in the USA”, especialmente em versões acústicas que dificilmente seriam mal-entendidas (há, inclusive, uma versão acústica no box “Tracks”, de 1998), mas mesmo essas reinterpretações eram sempre comparadas com a versão original, e ganhavam parte de seu novo poder a partir da experiência anterior que o público tivera com o álbum. No disco, “Born in the USA” surgia na sua versão mais poderosa. Se eu tentasse enfraquecer o alterar a música, acredito que até poderia ter ficado com um disco que teria sido mais facilmente compreendido, mas que não seria tão gratificante.

“Born in the USA”, o álbum, foi um sucesso em escala planetária. Eu sabia que tinha uma verdadeira vencedora na canção título, mas não esperava a onda maciça de reconhecimento que obtivemos. Terá sido o timing? A música? Os músculos? Não sei. É sempre mais ou menos um mistério o que provoca um sucesso tão gigantesco”. 

Trecho de “Born To Run – Uma Autobiografia”, de Bruce Springsteen

Nascido numa cidade de um homem morto (1)
O primeiro chute que recebi foi quando caí no chão
Você acaba como um cão que foi surrado demais
E que gasta metade da sua vida só se escondendo

Nascido nos EUA, eu nasci nos EUA
Eu nasci nos EUA, nascido nos EUA

Me meti numa pequena confusão em minha cidade natal
Então eles colocaram um fuzil na minha mão
Me enviaram para uma terra estrangeira
Para ir e matar os homens amarelos

Volto para casa, para (o trabalho n)a refinaria
O homem que contrata diz: “Filho, se dependesse de mim”
Mostra para ele minha carteira de veterano de guerra
Ele diz: “Filho, você não está compreendendo”

Eu tinha um irmão em Khe Sahh, combatendo os Vietcongues
Eles ainda estão lá, mas se morreu
Ele tinha uma mulher que amava em Saigon
Eu tenho uma foto dele nos braços dela

Debaixo da sombra da prisão
Ou perto das chamas de gás da refinaria
Estou há 10 anos sem rumo
Nada para fazer, nenhum lugar para ir

Nascido nos EUA, eu nasci nos E.U.A
Nascido nos EUA, sou um pai ausente nos EUA

Nascido nos EUA, eu nasci nos E.U.A
Nascido nos EUA, sou um pai bacana agitando nos EUA

****

(1) Dead man’s town significa “cidade de um homem morto”, uma expressão que sugere uma cidade sem grandes oportunidades de trabalho que perde a mão de obra de sua população jovem, que migra para locais com maiores perspectivas.

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fevereiro 15, 2018   No Comments