15 respostas sobre Bizz e jornalismo
“Eu estou me formando em jornalismo e a ideia do meu TCC é escrever um livro sobre a história da revista Bizz – para isso quero entrevistar jornalistas, leitores e algumas bandas que fizeram parte dela”, Gabriela
Eu começo meu livro falando das vantagens de ter sido jovem durante os anos 80. Você concorda que foi uma juventude bem diferente de hoje? Acha ela melhor de alguma forma? Por quê?
Foi diferente, mas isso não quer dizer que foi melhor ou pior, apenas que aconteceram coisas naquele período diferentes das de outro. Estávamos saindo de uma ditadura e vivendo um momento de abertura política; os yuppies estavam em ascensão; o futebol brasileiro começou aquela década como o melhor do mundo e terminou de forma vexatória (nesse caso, e eliminação precoce da equipe de Lazaroni em 1990 não foi tão marcante quanto os 7 a 1 que a seleção do Felipão amargou); havia, de certa forma, muita expectativa e esperança pelos anos futuros; aids e internet estavam começando a se proliferar, e, cada uma a seu modo, a mudar as relações das pessoas; ainda assim não acho que tenha sido uma juventude melhor ou pior do que agora: cada época tem suas particularidades e, muitas vezes, as pessoas tendem a deixar que a nostalgia valorize determinado período, mas nunca vou achar que jogar futebol na rua com os amigos, como eu fazia, seja melhor ou pior do que a molecada que passa o tempo livre jogando videogame dentro de casa. A sociedade passou séculos buscando maneiras para ocupar o tempo livre, e parece que agora encontrou uma forma bastante interessante. Se eu pudesse voltar ao passado e escolher, continuaria jogando bola no campinho de terra do fim da minha rua (é a minha nostalgia), mas também ia querer ter um computador…
Como foi pra você ser jovem naquela época? Você frequentava as danceterias? Como conhecia as bandas da época?
Para mim foi especial crescer num momento de abertura política em que o rock foi escolhido como válvula de escape por um povo que passou 21 anos silenciado pela ditadura. E eu não só ia a danceterias como organizava bailinhos com amigos (um deles era mestre em criar jogos de luzes mirabolantes) e rodava a cidade tocando discos, na função de DJ mesmo, e conhecia todas as bandas, até as mais independentes, mas isso em Taubaté, uma cidade que (mesmo entre Rio e São Paulo) parecia longe demais das capitais…
Por que acha que o Brasil precisava de mais uma revista de música em 1985? O que significou para o país o surgimento da Bizz?
Na verdade, um grupo de pessoas percebeu a ascensão de um público que estava interessado em consumir música, mas não só discos, informações também. E o primeiro Rock in Rio já era um sinal disso (sem contar que já havia outras revistas de música no mercado, como a Som Três, que era de instrumentos, mas também tinha reportagens; acho que a Roll é dessa época também). O surgimento da Bizz, no entanto, significou o nascimento de um novo modelo de jornalismo cultural, mais aprofundado, especializado e interessado em abastecer o público com novidades. A primeira fase da Bizz é exatamente isso: pegar grandes ícones do rock e apresenta-los ao público sem aspas, sem entrevistas, quase uma biografia da banda mesmo.
Com quantos anos você começou a ler a revista? Por que você lia ela, o que te atraia?
Comecei a ler com 15 anos, ou seja, no ano em que ela foi lançada. Eu já era interessado por música, tinha os bailinhos, já comprava os meus discos desde o meu primeiro emprego, um ano antes, já lia a Ilustrada, da Folha de São Paulo. A Bizz me atraia porque ela ampliava o leque de informações que eu tinha sobre artistas que eu já conhecia, mas sabia pouco, tanto quanto fazia me interessar por novos.
Você tinha uma seção preferida? Qual e por quê?
Sempre gostei da seção de Resenhas, da Discoteca Básica e do Entrevistão, clássicos das primeiras edições. Mais pra frente fui um fã da seção Zona Franca. Gostava da seção de Resenhas porque me mostrava uma maneira diferente de olhar para um disco, mesmo quando eu não concordava (e isso acontecia bastante). A Discoteca Básica era a seção de clássicos, discos que eu nem sabia que eu tinha que ouvir, mas tinha! O Entrevistão era interessante porque era mais profundo enquanto a Zona Franca surgiu num momento pré-internet e alertava sobre coisas que poderia ser muito interessante ir atrás.
Você ainda lia a revista na época da “Showbizz”? Acho que essa fase da revista foi muito cruel com os leitores e com a própria revista (a quebra da marca foi algo muito bizarro também). Muitos culpam o surgimento da música eletrônica pelo fim da Bizz e início da Showbizz. A revista não soube acompanhar o estilo, já que era uma música “sem rosto”. Você também acha que o erro começou por ai?
Como eu não estava na redação fica difícil avaliar uma mudança dessas. Para mim, claro, foi um choque: a mudança do nome, do logo, a adoção do formato tabloide, mas algumas das seções continuaram boas como sempre foram, por isso continuei comprando e lendo.
O quanto você acha que uma revista pode mudar por conta da indústria musical? Qual o papel da indústria na manutenção da revista?
A indústria é uma parceria sem ser parceria da revista. Da parte dela espera-se que ela abasteça o mercado de artistas interessantes que possam ser temas para a revista. Se a indústria não tem ninguém interessante, a revista não tem porque existir, ou então vai ter que apelar para o passado.
Você acha que houve uma “caretice” do jornalismo musical? É difícil achar algum lugar que publique textos tão doidos e engraçados como os da Bizz.
O jornalismo musical sobrevive nos blogs. Além disso, a internet nos permitiu ter acesso a cadernos de cultura espetaculares como o do New York Times, do Guardian e do El País, assim como veículos interessantes como a Pitchfork. Lógico, eles falam 0,01% de música brasileira, mas, atualmente, a música brasileira que importa não vende revistas, então fica difícil manter uma revista como a Bizz.
Você acha que as críticas musicais ainda têm seu papel? Na Bizz elas não eram tão chapa branca como hoje. Por quê?
As críticas continuam tendo um papel importante sim, até porque o crítico também atua como curador: ele está ali atento às centenas de discos que caem na web e são lançados mensamente e escrevendo sobre aqueles que ele acredita que o público deve dar atenção, porque as pessoas comuns não tem tempo para irem atrás de todos os lançamentos. Quanto a chapa branca, existem veículos e veículos: é complicado comparar a Bizz com publicações de linha mais conservadora, menos anárquica. Ainda assim, na web brasileira já existiram sites extremamente ácidos no que diz respeito à crítica, muito mais do que a Bizz.
Hoje os jornalistas têm mais medo das bandas do que as bandas dos jornalistas – rs. Há um medo de criticar? Como você faz a sua crítica? Você acha que ela tem que ser levada sempre pelo lado pessoal ou tem que ser algo mais pensado no gosto do leitor?
Difícil analisar sem exemplos: você diz que jornalistas tem medo de bandas: quais jornalistas? Não sei, mas acho que você está confundindo medo com amizade e admiração. É o caso do jornalista que gosta realmente de tal artista, e fala bem porque ele realmente acha aquilo. Não sei se existe medo de criticar, precisaria de exemplos. No meu caso, eu busco entender o objeto de arte – disco ou show ou festival ou filme ou… – no espaço/tempo: o que esse objeto representa para o tempo que a gente vive, o que ele está apontando. O que a crítica precisa buscar é entender o objeto de arte dentro de um todo, porque ele não está isolado: se os Beatles surgissem em 2010 e não nos anos 60 seriam outros, porque o ambiente influencia a pessoa. Desta forma, essa análise é totalmente pessoal porque diz respeito aos signos que cada pessoa adquiriu durante a vida, e que a fazem olhar o mundo (e escrever sobre) de forma particular. Há similaridades entre opiniões sim, mas um texto crítico pode dizer mais sobre o crítico do que necessariamente sobre a obra. Quanto ao leitor, a ele cabe ler, refletir, discordar ou concordar. Ele não diz respeito ao crítico e o crítico não tem que escrever pensando em agrada-lo. É como a relação do juiz com a torcida em um estádio de futebol: a torcida pode gritar, espernear e falar o que quiser, mas o juiz tem que agir com a sua consciência.
Você acha que a internet estragou o consumo de jornalismo musical ou que ela ajudou? Você vê um futuro pra esse tipo de jornalismo?
Ajudou e muito. A internet permitiu que as pessoas, qualquer pessoa, tivessem acesso a um mundo de coisas que ela desconhecia, incluindo ai grandes jornalistas culturais do mundo. Sem contar que ampliou o leque da profissão: se você contar quantas pessoas trabalhavam exclusivamente com jornalismo musical nos anos 80, 90, 00 e agora, é possível que agora o número de profissionais seja três, quatro vezes maior. Ou seja, o futuro é agora.
Querendo ou não, a Bizz foi a revista de música que mais durou no país. Qual foi o segredo de sucesso dela? E por que acha que acabou? Você acredita que esse é o futuro das outras revistas de música pelo mundo?
A Bizz surgiu na hora certa e acompanhou um mercado primeiramente em crescimento, depois em declínio. Essa foi sua cruz e sua espada. Não há como ter uma revista de música em um país cujo mercado da música é uma piada. Talvez uma revista cômica. Quanto ao resto do mundo, depende de cada mercado. O mercado português suporta uma Blitz, o mercado europeu suporta NME, Uncut, Mojo e Q, o mercado norte-americano suporta uma Rolling Stone.
Sobre o Scream & Yell, de onde surgiu a ideia de criar o site? Qual é o número de visitantes diários do site?
Entre 4 mil e 5 mil. O site surgiu da vontade de mapear uma cena local que era muito bacana, falar para outras pessoas de bandas que gostávamos não só da cidade, mas bandas de todo lugar que eram ignoradas pela Bizz, pela Ilustrada e por diversos outros veículos.
O que você acha que atrai o leitor para o Scream & Yell? O que ele tem de diferente das revistas e outros sites de música?
Tentamos (nem sempre com seguimos, é preciso admitir) aprofundar a discussão sobre um disco, um filme, um livro. Nas entrevistas tentamos entender o entrevistado, ir além de onde os veículos impressos (presos no limite dos toques e do papel) conseguem. Nunca foi uma forma deliberada de buscar público, mas sim de responder a dúvidas que nós mesmos tínhamos (e ainda temos). De alguma forma, certa parcela de público nos achou, e nos adotou. Fico feliz e agradecido com isso, embora ter ou não ter público não é a questão em um site independente e gratuito, mas sim sermos sinceros com a gente mesmo. Se ser sincero atrai leitores, ótimo. Se o leitor ficar incomodado com a sinceridade, paciência. A vida segue.
Agora que a Bizz acabou, quais são suas fontes de informações musicais? Nisso eu sei que a internet ajudou, mas como achar o site mais confiável, de credibilidade, para saber sobre música?
Minha fonte é o Scream & Yell, as fontes que abastecem o Scream & Yell, e desconfio que hoje em dia eu iria ser um leitor menos assíduo da Bizz exatamente por estar atuando na mesma área que a revista. Pra que eu vou ler uma entrevista com a Banda do Mar na Bizz se eu posso fazer uma entrevista também? Lógico, existem alguns jornalistas cuja opinião me interessa, de que eu gosto do texto, e quero ler, e se for numa revista eu vou comprar. Por exemplo, gosto das entrevistas do El País e do Guardian, mas raramente leio críticas porque elas podem influenciar o meu pensamento na hora de eu escrever a minha crítica, e eu prefiro tentar ter uma ideia própria, que pode até ser próxima da do Guardian (ou qualquer outro veículo), mas ainda assim é própria. A questão, no entanto, é analisar e entender o crítico, o veículo: isso lhe dará chaves para confiar e mesmo discordar quando determinado jornalista/jornal fala bem disso ou mal daquilo (nesses tempos de eleições isso é importantíssimo).
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setembro 22, 2014 1 Comment