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EUA 2013: New Orleans e o Katrina

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Deve ser problema comigo, mas me apaixono por cidades condenadas (o que talvez explique eu morar em São Paulo). Um dos meus maiores sonhos é me mudar para Veneza, uma cidade que a qualquer momento pode desaparecer inteira (Santorini é outro sonho). New Orleans, minha nova paixão, corre sérios riscos, e não sei se me mudaria para cá, mas nem sai daqui e já estou planejando uma volta. Porém, a cidade que foi devastada pelo furação Katrina em 2005 (veja uma imagem para ter uma ideia da área alagada) é séria concorrente a desaparecer com o aquecimento global ou mesmo com futuros furacões.

Claro, não é tão simples e radical assim, mas New Orleans já sofreu com mais tempestades e furacões do que nós, brasileiros, podemos supor. Ao menos foi isso que tirei do Tour Katrina, passeio educativo que fiz hoje pelas áreas que foram tomadas pela água naquele verão de 2005 (”O dia do furacão estava lindo”, conta em certo momento a nossa guia”). Não sou a favor de esmiuçar tragédias, ainda mais turisticamente (nunca farei as por campos de concentração, nunca), mas, principalmente nesta cidade apaixonante, achei interessante conhecer esse outro lado de New Orleans até para entender este momento atual da cidade.

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Carol, a guia da agência Gray Line, uma senhora de cabelos grisalhos que não poupa críticas ao governo, aos políticos e aos turistas que acreditam que New Orleans é só jazz, dá uma aula no passeio que dura cerca de três horas, e passa por diversas regiões que foram afetadas pelo furacão, a maioria reconstruída, mas com histórias interessantes sobre a tragédia. “A região do Cassino ficou ilesa”, ela conta em certo momento. “A polícia se transferiu pra lá. Consta que não houve trapaças durante esse tempo”, sarreia.

80% da cidade de New Orleans ficou submersa. “Eu e minha família fomos para Jackson, no Mississippi, e mesmo lá sentimos os efeitos do furacão”, conta Carol. “Quando voltei, 21 dias depois, a única coisa que se ouvia era silêncio. Não havia pássaros nem bichos. Só silêncio”. Carol foi uma das centenas de milhares de pessoas que atendeu o chamado de evacuação proposto pelo governo federal, que avisou: “Quem ficar será por sua própria conta e risco”.

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São quase oito anos desde o furacão, e o tour, que já foi citado pelo New York Times, é interessante para observar a maneira com a cidade se reconstruiu. “A Prefeitura ofereceu 150 mil dólares para cada morador que quisesse reconstruir sua casa”, ela explica. “Quem quisesse se mudar poderia doar o terreno para uma instituição”. Nas áreas mais afetadas é possível ver dezenas de novas casas assim como dezenas de lotes vazios aguardando novos compradores. Muitos moradores, como o da foto acima, decidiram elevar suas antigas casas a uma altura inalcançável por uma futura tempestade.

Ao passar por uma região de classe média alta, Carol explica: “Gosto de passar por aqui porque muita gente acredita que só as áreas pobres foram afetadas, mas não, para o furacão todos são iguais”, completa com ar de sarcasmo. As histórias se multiplicam conforme o ônibus segue: “O que vocês fariam com essa casa?”, ela pergunta ao mostrar um imóvel condenado. “Aqui moravam um casal de velhinhos. Eles conseguiram o dinheiro para reconstruir a casa e contrataram uma pessoa para fazer isso, mas essa pessoa fugiu com a grana”, conta, completando que o marido morreu logo depois, mas a senhora ainda vive ali. “Eles não foram os únicos a serem enganados”, ela conta.

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Em certo momento, o tour passa pela casa de Fats Domino. “Ele se recusou a deixar a casa”, ela conta. “E a água levou tudo: discos de ouro, memorabilia, seu piano. Ele se mudou depois, mas fez questão de reformar a casa e mantê-la aqui”. Entre os destaques da região estão as novas casas feitas com a ajuda de gente com o pianista Ellis Marsallis Jr. (pai dos também jazzistas Brandford e Wynton), o dono das Barnes & Nobles e Brad Pitt, cujo projeto Make it Right permitiu a construção e doação de 90 casas futuristas (desenhadas por Frank Gehry) na região.

Ainda assim, com ajuda da prefeitura e de pessoas famosas, uma questão vem à cabeça: como as pessoas continuam morando aqui? O que faz alguém continuar vivendo em uma área de risco? Freud deve explicar, mas acredito que temos ligação com algumas cidades que coisa nenhuma consegue desafiar. Me lembro menino, numa cidade do interior, sonhando em voltar a morar em São Paulo (também uma cidade de risco por vários outros motivos), e hoje, cidade paulistano, me pego emocionado toda vez que o avião sobrevoa a cidade e aqueles milhões de luzes infinitas mostram que estou em casa.

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Talvez seja essa força que mantenha as pessoas aqui, e é impossível não pensar no quanto o mundo iria perder sem New Orleans. Ou, como diz a camiseta do atendente de um bar: “Os EUA tem apenas três cidades: Nova York, São Francisco e Nova Orléans. Todas as demais são Cleveland”. Fato é que, pela primeira vez na vida, me arrependi dos meus 40 e tantos anos. Eu queria ter 20 anos, virar madrugadas aqui todos os dias e passar um tempo ouvindo música boa e vivendo enquanto fosse possível viver.

Se você ama música (tocando ou ouvindo) recomendo de peito aberto uma visita a New Orleans. Desde um passeio básico na turística Bourbon Street (estique até a Skully’z Recordz, lojinha bacana de vinis e CDs no número 907) até uma ou várias noitadas na Frenchmen Street, onde os melhores bares de jazz da região estão instalados: The Maple LeafSnug HarborDBA e outros. Ainda há chance de beber uma cerveja no Royal Street Inn, bar de Greg Dulli, do Afghan Whigs (do ladinho da Frenchmen Street) – se quiser dormir por lá, tem umas suítes.

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Quem acompanhou o meu tour anterior pelos Estados Unidos, em 2011, deve se lembrar de que fui (e sou) bastante critico ao “american way of life” (principalmente em comparação com a Europa), mas New Orleans tem pouca coisa a ver com aqueles Estados Unidos. Isso talvez se deva um pouco a colonização francesa (1718 a 1762) e espanhola (1762 a 1803), e outro tanto pela proximidade do Golfo do México e dos países da América Central, o que influenciou não só a culinária (creole e cajun) e a bebida, mas como também a música. Como não se cansa de repetir Lili, essa cidade é um “caldeirão de influências”.

Antes do furacão, que matou mais de 1500 pessoas em toda a Louisiana, New Orleans tinha mais de 500 mil habitantes. O censo seguinte ao Katrina contabilizou 223 mil pessoas na cidade. Atualmente, a população da cidade voltou a crescer e já passa das 350 mil pessoas. Se eu tivesse grana, quem sabe, afinal, uma casa pré-fabricada custa cerca de 75 mil dólares, mas ainda preciso me preocupar com a fatura do cartão de crédito e com a conta bancaria no vermelho. Ainda assim, uma coisa é certa: tenho mais dois dias em New Orleans, mas espero voltar pra cá o mais rápido possível assim que sair daqui.

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Leia mais: Diário de Viagem Estados Unidos 2013 (aqui)

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