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Trilogia das Cores, de Kieslowski

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Escrevi este texto em 1998, e deve ter sido um dos primeiros textos sobre cinema que publiquei, ainda na terceira edição da versão on paper do fanzine Scream & Yell. Eu havia rabiscado algumas coisas antes, e publicado aqui e ali (havia um site em Taubaté na segunda metade dos anos 90 que aceitava colaborações, mas guardei pouca coisa do que publiquei lá). Logo que o Scream & Yell veio para a internet, em 2000, puxei ele do jeito que estava na versão em papel, e republiquei. Ontem à noite, vasculhando vídeos do Youtube, encontrei os três filmes na integra e legendados (assista abaixo), e resolvi recuperar o texto (do jeito que escrevi 15 anos atrás – com direito a erros, vícios, inocência, desconhecimento e utopias).

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Importante dizer: a “Trilogia das Cores”, de Krzystof Kieslowski, é bastante acessível em DVD. Primeiramente saiu uma edição caprichadíssima da Versátil em 2006, com um box contendo os três filmes e extras interessantíssimos (como o quarto vídeo deste post). Questão de dois ou três anos depois, os três filmes apareceram em edições mais simples (e mais em conta) via Spectra Nova, e você pode encontrar as duas edições em sites como Submarino e Mercado Livre (com preços entre R$ 10 e R$ 15 cada DVD no relançamento da Spectra, e R$ 30 e R$ 40 no da Versátil). Ainda que você opte por vê-los nos links abaixo, recomendo fortemente ter os DVDs em casa, pois estes três filmes são obras primas que merecem serem vistas e revistas. Sempre.

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Trilogia das Cores, de Krzystof Kieslowski
por Marcelo Costa
1998/1999

Talvez você, assim como muita gente, não goste do cinema europeu por achá-lo chato demais. E, na maioria das vezes, é chato mesmo. Mas, se toda regra tem uma exceção, Krzystof Kieslowski, cineasta polonês, é a exceção desse caso. Kieslowski filmou um total de 23 filmes, dentre os quais se destacam “Amator” (1979) – que conta a história de um cineasta abandonado pela mulher – e o “Decálogo” (1988 – feito para tv), dividido em dez partes contando cada uma, um mandamento bíblico. O destaque é o sexto mandamento, “Não Amarás”, que conta a história de um jovem (”Entre o amor platônico e a violência do desejo”, conforme anuncia o cartaz) que corta os pulsos ao ser rejeitado por uma mulher mais velha.

Mas sua obra-prima ainda estava por vir. Morando em Paris e desiludido com a política, Krzystof resolveu filmar as dores do mundo. A Trilogia das Cores, inspirada nas cores da bandeira francesa, e em seus significados, é um dos momentos mais poéticos do cinema nessa década.

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“Bleu, A Liberdade é Azul” (1993) é o primeiro e é um drama. Julie (a bela Juliette Binoche de “O Paciente Inglês”) perde o marido (famoso compositor) e a filha pequena em um acidente de carro. Tenta se matar, mas não consegue, pois se acha fraca até para fazer isso. Fica só. Livre. E ser livre é, muitas vezes, difícil. Um flautista de rua lhe diz que é preciso se agarrar a algo, mas ela já não quer mais nada, pois bens, recordações, amigos, vínculos são tudo armadilha. Gostaria mesmo é de pular no espaço, no céu azul, mas no fundo sabe que não se pode renunciar a tudo. Kieslowski transforma dor em sublimação. “Bleu” é um filme silencioso, mas todos os sentimentos são para qualquer um tocar. Cada um é livre para fazer o que quiser embora a liberdade maior seja estar vivo. A fotografia é linda e a trilha sonora, do inseparável Zbigniew Preisner, sinfônica e imponente.

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“Blanc, A Igualdade é Branca” (1993) é o segundo e o mais perto que Kieslowski chega de uma comédia. Para Karol Karol (Zbigniew Zamachowski), estar vivo não é nada fácil. Polonês de Varsóvia, ela vai à Paris e é humilhado. Sua mulher, Dominique (a linda Julie Delpy de “Antes do Amanhecer”), pede o divorcio, pois diz que Karol Karol não “consumou” o casamento – o que já é comédia demais, afinal, imagina ser impotente com uma mulher linda como Julie, que, diz em francês algo tipo “Se digo que te amo, você não entende”. Em Paris, tudo dá errado, desde seu cartão de crédito ser cancelado até ser alvo de um tiro certeiro de um pombo. Acaba sem dinheiro, sem passaporte e sem esposa. Consegue voltar para a Polônia dentro de uma mala, mas, ao chegar lá, a mala é roubada (sujeito de sorte). Quando, enfim, consegue chegar a sua casa, está todo arrebentado. Volta a trabalhar normalmente e com o tempo arquiteta um plano para montar uma fortuna que o possibilite aplicar as mesmas peças na ex-esposa, afinal, a igualdade é branca, como um véu de noiva, como a neve, como pombos voando e como um orgasmo. “Blanc” é cômico, mas não chega a ser uma comédia. Kieslowski fez um belo filme que, se não fica a altura de “Bleu” e “Rouge”, com certeza alegra coração e alma. A trilha de Preisner é pontuada por tons melancólicos extraídos de clarinete com suavidade e, ás vezes, silêncios. Ah, já ia me esquecendo. A profissão de Karol Karol no inicio do filme era cabelereiro…

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“Rouge, A Fraternidade é Vermelha” (1994) é o terceiro e último e é simplesmente sublime. Parece mais uma poesia sem palavras amparada em uma fotografia magistral e no rosto de Irene Jacob (musa de Kieslowski que havia feito com ele, dois anos antes, o misterioso “A Dupla Vida de Verónique”) flutuando em tons vermelhos de carros, sinais fechados, bolas de boliche, outdoors, cerejas e sangue. Irene é Valentine, modelo suíça vivendo em Paris, longe do namorado ciumento. Sua história é interligada a de um jovem que estuda para ser juiz. Certa noite, Valentine atropela uma cadela e ao leva-la ao endereço da coleira, conhece um estranho senhor que passa seus dias ouvindo ligações telefônicas dos vizinhos. Desse encontro surge uma amizade iniciada em repulsa, mas que, aos poucos, modifica a vida dos dois personagens. Kieslowski brinca e se diverte com os acasos, com destinos marcados para se cruzar, pois a inevitabilidade existe, embora cada um tenha que viver a sua própria vida. Para ele não é difícil adivinhar os caminhos da vida. Basta se comunicar. Olhar nos olhos. “Rouge” é arrepiante e sua cena final, uma pequena surpresa, mas só para quem assistiu aos outros dois. Ravel passeia com seu Bolero em várias cenas e é a base da excelente trilha sonora de Preisner. “Rouge” transborda poesia e possibilidades, em silêncios comoventes, mesmo quando caí um cinzeiro, mesmo quando vidraças se quebram, mesmo quando um alarme de carro dispara. É tudo como se incendiássemos gelo. Água que escorre entre os dedos e deixa, por fim, as mãos molhadas…

Consagrado internacionalmente após a trilogia, em 1995, Kieslowski abandonou as câmeras dizendo que estava achando tudo muito chato e preferia viver ao invés de fazer cinema. E não fez mesmo. Não teve mais tempo. Morreu de enfarto, aos 55 anos, em março de 1996. “A Liberdade é Azul” ganhou o Leão de Ouro em Veneza como melhor filme e melhor fotografia, tendo ainda Juliette Binoche como melhor atriz. Binoche também ganhou o Cesar que também foi concedido ao filme nas categorias melhor montagem e melhor som. Para fechar, três indicações ao Globo de Ouro: Melhor filme estrangeiro, melhor música e melhor atriz. “A Igualdade é Branca” deu o Urso de Prata em Berlim para Kieslowski como melhor diretor. “A Fraternidade é Vermelha” ganhou Cannes como melhor filme, o Cesar por melhor trilha sonora e foi indicado ao Globo de Ouro como melhor filme estrangeiro e ao Oscar como melhor direção, melhor roteiro e melhor fotografia.

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