A politização da arte para fins totalitários
“O período posterior aos meados da década de 30 simbolizou a fase mais trágica e distorcida da música no século XX: a politização da arte para fins totalitários. Às vésperas da Segunda Guerra Mundial, ditadores haviam manipulado o ressentimento popular e o espetáculo da mídia para tomar o controle de metade da Europa. Hitler na Alemanha e na Áustria, Mussolini na Itália, Horthy na Hungria e Franco na Espanha. Na União Soviética, Stálin transformou a ditadura revolucionária de Lênin em uma máquina onipotente, apelando para o culto à personalidade, um rígido controle de imprensa e um exército de policiais secretos. Nos Estados Unidos, Franklin D. Roosevelt ganhava poderes executivos extraordinários para combater o flagelo da Depressão, levando os conservadores a temer uma erosão do processo constitucional, em especial quando programas artísticos federais eram direcionados a propósitos políticos. Na Alemanha, Hitler forjou a mais profana aliança entre arte e política que o mundo já vira.
Para qualquer um que acreditasse haver alguma bondade espiritual inerente aos artistas de grande talento, a era de Stálin e de Hitler foi uma decepção. Não apenas os compositores deixaram de se contrapor em conjunto ao totalitarismo, como muitos o acolheram de bom grado. Na liberdade capitalista dos anos 20, eles lutaram contra a cultura de massa realçada pela tecnologia, que introduziu uma nova aristocracia de estrelas de cinema, músicos pop e celebridades sem portfólio. Há muito dependentes da generosidade da Igreja, das classes altas e da alta burguesia, os compositores subitamente se encontraram na era do jazz sem ter como se sustentar. Alguns acreditaram no sonho de um cavaleiro político em armadura brilhante que viesse em seu auxilio. Os ditadores cumpriram esse papel à perfeição. Stálin e Hitler imitaram os monarcas amantes da música na Antiguidade, garantindo o patrocínio do Estado centralizado. Mas eram homens de outro tipo. Com origem nas margens sociais, eles acreditavam ser a perfeita personificação da vontade e dos gostos populares. Ao mesmo tempo, viam-se como artistas e intelectuais, agentes da vanguarda da história. Adeptos da manipulação das fraquezas da mente criativa, ofereciam a sedução do poder com uma mão e o temor da destruição com a outra. Um a um, os artistas foram se perfilando. (…) Categorias simplistas não fazem sentido nos territórios sombrios das ditaduras. Esses compositores não eram nem santos nem demônios; eram atores falhos em um palco inclinado.”
Alex Ross em “O Resto é Ruído” (Companhia das Letras)
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