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Três dias e meio em Salvador

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23 de dezembro, 18h. A folga de fim de ano se aproximava (plantão no natal, folga no reveillon) e o plano inicial era ficar em casa os sete dias (entre 27/12 e 02/01), mas daí caiu a ficha: se ficarmos em casa vamos inevitavelmente trabalhar. A vontade era descansar e desestressar, esquecer emprego e o caos paulistano por alguns dias. Mas ir para onde oito dias antes do ano terminar?

A busca começou de modo simples. Com as páginas do Decolar e do Submarino Viagens abertas em duas janelas, e a do mapa do Brasil no Google Maps na outra comecei a buscar destinos. Primeiro tentei Montevidéu e Buenos Aires (mais caras do que pensávamos gastar) e depois fui pra Belém e, de lá, comecei a descer capital a capital procurando um vôo ok. A cidade escolhida acabou sendo Salvador.

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Na mesma hora, corri para o Twitter pedindo dicas aos amigos de hotéis na cidade. A Maira (@MGoldschmidt) indicou este aqui (além de repassar dicas bacanas em seu blog), que me pareceu ótimo, e só não fechei porque o Luciano (@lubmatos), do ótimo El Cabong, fez o convite para ficarmos em sua casa garantindo dicas da cidade e muita hospitalidade soteropolitana. Primeira vez na cidade, viagem curtíssima, bora correr para os amigos. Valeu demais a pena.

Bem, um dos motivos do voo ser barato era que ele saia na terça (28/12) às 9h de Campinas e retornava de Salvador às 8h do dia 01/01 (quem voa na manhã do primeiro dia do ano? Dos 118 lugares do avião só os quatro últimos estavam vagos). Traduzindo tudo isso: teríamos apenas a tarde de terça, mais três dias inteiros (quarta, quinta e sexta) e a madrugada de réveillon para curtir Salvador. E foi bastante especial.

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Encontramos com facilidade a casa do Luciano, na Vila Laura, e dicas repassadas (ele não poderia nos acompanhar porque tinha ferrado o joelho batendo baba – jogando futebol no dicionário local) lá fomos nós camelar pela primeira capital do Brasil. O dia parece começar com 30 graus logo às 8h da manhã. Sabe a frase “o sol que arde em Itapuã”? Não é apenas lá. Mas venta bastante, o que deixa a cidade bastante agradável (quando o sol se esconde atrás do mormaço espere sufoco: esquenta muito e não venta).

Roteiro básico de turista: descemos do ônibus na Baixa do Sapateiro e seguimos Pelourinho adentro até chegar ao Terreiro de Jesus e esticar ao Elevador Lacerda. Local de prostituição e drogas nos anos 60, o Pelourinho (que possui um conjunto arquitetônico colonial) foi revitalizado nos anos 80 pela administração ACM, que transformou as casas dos moradores (que foram obrigados a migrar para as extremidades do Centro Histórico) em lojas, centros culturais e restaurantes, o que deu ao local uma característica turística.

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Porém, impossível não parar na frente da Fundação Casa de Jorge Amado (o imóvel azul que mais se destaca na praça principal) e relembrar Caetano e Gil cantando: “Pense no Haiti, reze pelo Haiti”. Ele também é aqui. Mas o clima é leve. Totalmente preservado, o Centro Histórico tem uma aura turística, mas suas ladeiras (e tudo que deve ter acontecido nelas durante cinco séculos) têm muita história para contar (a maioria triste) e emocionam.

O Terreiro de Jesus vem logo depois do Largo do Pelô, e é uma praça belíssima e extensa que se estende da Igreja de São Francisco em uma ponta (uma das igrejas mais ornamentadas com ouro do País) até a Basílica de São Salvador, na outra extremidade. Entre as duas há desde rodas de capoeira, barracas de acarajé, bares (Cravinho fica por ali) e algumas lojas além do prédio da primeira Faculdade de Medicina do País.

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Um dos destaques da praça é a maravilhosa fachada da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco, toda trabalhada com pedra de cantaria, solução arquitetônica pouco usada no Brasil, que remete ao barroco espanhol. Encoberta com argamassa por mais de um século (visando esconder as imagens pagãs), a fachada original foi descoberta no início do século XX. E é deslumbrante – lembra algumas igrejas góticas de Londres e Paris. A visita ao interior ainda vale a pena porque é uma das poucas igrejas no País que permite visitar os andares superiores.

O Elevador Lacerda, por sua vez, é só um elevador (sem visão panorâmica nem nada). Um dos principais cartões postais da cidade, o Elevador foi inaugurado em 1873 visando ligar a Cidade Baixa à Cidade Alta, e é muito mais bonito visto por fora. Se o caso é descer, vale mais ir atrás dos três Planos Inclinados que ligam o Centro Histórico à Cidade Baixa (com a mesma tarifa de R$ 0,15 e a vantagem da vista). O Plano Gonçalves (semelhante aos Ascensores de Valparaiso, no Chile, denominados Patrimônio da Humanidade) fica exatamente atrás da Basílica – e é menos concorrido que o Lacerda.

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Na Cidade Baixa, uma olhada de fora no Mercado Modelo (só fiquei sabendo depois que o Sepultura gravou o clipe que “Roots Bloody Roots” ali – relembre o vídeo aqui) e uma caminhada ao primeiro grande ponto apaixonante da cidade, o Solar do Unhão, um prédio do século XVI às margens da Baía de Todos os Santos que, desde 1969 (com trabalho de restauração com projeto assinado pela arquiteta Lina Bo Bardi), virou a casa do Museu de Arte Moderna da Bahia.

A construção e a adaptação proposta por Lina (que também assina o belíssimo projeto do Sesc Pompéia, em São Paulo) fizeram do local um charme, desde a elegante escada lateral com uma bela rampa de madeira sobre o mar até a transformação do ambiente em museu (são oito salas de exposição, um teatro/cinema, uma biblioteca, um café – e uma famosa escada helicoidal, essa aqui) com uma vista esplendorosa do pôr-do-sol na Baía. Um local para se visitar todas as vezes que eu for a Salvador daqui em diante.

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Já que o assunto é museu vale encaixar o bonito Museu Rodin, instalado em um belíssimo casarão de 1912 (vale olhar as esculturas em gesso do mestre francês e o teto detalhado da casa), que ganhou um anexo respeitoso – assinado pelos arquitetos Marcelo Ferraz e Francisco Fanucci – que se integra ao casarão e dá lugar a uma bela galeria e um aconchegante café (Lili namorou o prato de camarão ao molho de jabuticabas oferecido pelo cardápio, mas havíamos acabado de almoçar quando chegamos).

E se falamos em comida, eu provei o Acarajé da Cira (do Rio Vermelho e de Itapuã)… e não gostei. Lili curtiu, mas achei o lance todo meio sem gosto (e eu nem gosto tanto de camarão assim). Fugimos dos pratos quentes (apimentados), e me encontrei numa das melhores dicas do Luciano, a carne de fumeiro, carne de porco defumada na fumaça (e que lembra muito um pedaço suculento e delicioso de… bacon). Muito popular na Espanha e em Portugal, a carne de fumeiro é quase desconhecida no Brasil. Mas não na Bahia. Aleluia. Só uma coisa: pra que tanto coentro na comida????

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No quesito sabores valeu demais a visita a Sorveteria da Ribeira, na compania do chapa André Mendes (@andre__mendes) (lembra da ótima banda Maria Bacana?). Provei os sabores de Cajá e, por engano, Tapioca (eu pedi Caipiroska). Ainda bem. Fiquei completamente viciado no sorvete de Tapioca, uma delicia de dar água na boca. Lili apostou (e se deu muito bem) no destaque da casa, o também maravilhoso sorvete de Coco Verde (lembra água de coco). André, que nasceu e cresceu no Bonfim, nos levou por um tour pela região, com direito a pôr-do-sol na Ponta do Humaitá e muitas histórias.

Ainda teve banho de mar no Porto da Barra (eu ficava o dia inteiro lá se me deixassem, mas mesmo com protetor sai queimado ficando só de 8h às 11h), almoço na barraca Buraco da Velha (uma ótima pescada amarela) aos pés da praia (completamente lotada) e também na Pedra Furada (recomendo, recomendo) e réveillon na casa da Lilla (parceira de cerveja e bom humor e papo constante) com muita gente legal e várias histórias do rock baiano (conheci Ronei Jorge, grande cara).

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Teve muito mais coisas (e só foram três dias e meio!), mas acho que o principal é isso. Então você me pergunta: o que você achou de Salvador? A resposta é difícil de se condensar em poucas palavras por tão pouco tempo, mas a impressão foi ótima. No começo, um certo descuido com a cidade chamou a atenção e lançou uma dúvida: isso é fruto de descaso político (prefeito, governador) ou o jeito de ser soteropolitano? Ou uma mescla dos dois? Por que as praias (belíssimas e limpas) sugerem imponência e as casas, boa parte, parecem desgastadas?

Uma frase de Lina Bo Bardi (de uma exposição no Solar Ferrão, no Pelourinho, analisando sua passagem pelo Nordeste) saltou aos olhos: “A não importância da beleza”. Entendi essa frase não como um descaso com o que é belo, mas sim uma leveza em relação a ele. A liberdade é bela (Lina faz questão de frisar: “Aí eu vi a liberdade”), e tudo mais funciona como amarras de certa condição do que se convencionou dizer que é bonito e feio. E Salvador, mesmo desgastada, é bonita. Pois a beleza é ser livre (e ser feliz).

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Ainda assim, um projeto assinado pelo escritório paulista Brasil Arquitetura (que trabalhou no Museu Rodin – e recheou de móveis da Lina o café do local) pretende recuperar a Cidade Baixa, sufocada pelo trânsito de veículos e com dezenas de imóveis condenados nas encostas. A reportagem (de abril de 2010) publicada na Folha levanta questões de ordem política (penso no social: para onde vão os moradores pobres da região?), mas o projeto parece interessante (veja aqui). Talvez seja a cidade se dedicando ao turismo (o grande gancho econômico do novo século), querendo ficar bela para o olhar (soteropolitano ou não). Desde que a liberdade se preserve, tudo bem.

Terceira maior cidade com habitantes do País (oitava da América Latina), São Salvador da Bahia de Todos os Santos já foi a cidade de maior desigualdade social do Brasil, em ranking da ONU de 2007 (o posto em 2010 é de Goiânia.) Têm bairros que parecem cidadezinhas de interior (como Santo Antônio, com coreto na praça e tudo), uma pressa no trânsito que joga pelo ralo o estigma da preguiça e um jeito para o batuque (no axé e no candomblé) que contagia e parece correr no sangue. É uma cidade com o poder de encantar (e fazer pensar) em três dias e meio. Ainda volto com mais tempo.

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Fotos: Liliane Callegari (mais aqui) e Marcelo Costa (mais aqui)

Ps. Obrigado Luciano, Lilla e André por tudo!

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