Mostra SP: “Loki – Arnaldo Baptista”
“Loki”, de Paulo Henrique Fontenelle – Cotação 5/5
Nas ruas de Londres, um fã (aparentemente) britânico pára Arnaldo Baptista e começa um discurso emocionado que enaltece a grandiosidade do’s Mutantes, grupo que Arnaldo formou com seu irmão Sérgio e, aquela que viria a ser sua primeira namorada e mulher, Rita Lee. Na seqüência, um brasileiro passa por Arnaldo, caminha uns dez passos e volta gritando: “Mutantes, porra, você é foda demais”. A palavra é exatamente essa: Arnaldo Baptista é foda demais.
“Loki”, documentário emocional de Paulo Henrique Fontenelle, lança luz com devoção sobre a carreira do homem responsável por uma das maiores – se não a maior – e mais geniais formações de rock do lado debaixo do Equador. Fontenelle busca amigos, parceiros e produtores que abrem o coração para a câmera detalhando histórias e causos da vida de Arnaldo Baptista. Mais: resgata imagens raríssimas de época, trechos de entrevistas e aparições em TV que soam como pepitas de ouro visuais que dão um colorido especial ao passado.
O filme começa com um amigo de escola, Raphael Villardi, que lembra o momento em que Arnaldo comprou um baixo e decidiu formar um grupo de rock. Estava criado O’Seis, grupo que viria a ser um dos embriões do’s Mutantes. Daí em diante entra em cena a Tropicália, os grandes festivais da Record, raras entrevistas e a viagem para a Europa que rendeu a gravação do álbum “Technicolor”, gravado em 1970 e lançado apenas em 2000.
Em um dos trechos mais tocantes da película, Arnaldo comenta sobre a relação com Rita Lee, o casamento e a separação, pede desculpas e assume que não pôde dar a atenção que ela merecia naquele momento. Dinho (baterista) e Liminha (baixo) relembram – emocionados – o dia em que Rita avisou que estava pulando fora do barco. “Eu sai para fora da casa do Arnaldo e comecei a chorar”, conta Liminha. “Era o fim”, sentencia Dinho (de olhos marejados). Não foi ao menos por um tempo, enquanto Arnaldo segurou a formação ao lado de Sérgio.
O irmão é outro que dá a cara a bater no filme. “Ele saiu e eu fiquei com os Mutantes, e eu não sabia o que fazer. Eu estava perdido e segui com a banda porque era o que eu achava que tinha que fazer”, desabafa o guitarrista, que em um dos momentos mais intensos do documentário culpa a imprensa, os amigos e a si mesmo pela falta de tato com o irmão. “Ele é um gênio e a imprensa… e as pessoas ficavam falando coisas que confundiram e atrapalharam ele. São todos uns cretinos. E eu também sou um cretino por não conseguir entende-lo e quero pedir desculpas publicamente por isso”, diz Sérgio.
Após sua saída do’s Mutantes, Arnaldo lançou seu primeiro disco solo, “Loki”, que dá título ao filme e é considerado por muitos como um dos dez maiores álbuns da música popular brasileiro, um flagrante de sofrimento e dor que impressiona e comove por sua sinceridade. A partir daí, ele segue com projetos paralelos com a banda Patrulha do Espaço (registros lançados no ótimo álbum “O Elo Perdido”) até lançar o segundo álbum solo, “Singin Alone”, em 1980, e caminhar até a janela do Hospital do Servidor Publico, em São Paulo, quebrar o vidro e pular do terceiro andar atirando-se numa tentativa de suicídio.
O resultado do vôo: sete costelas fraturadas, várias lesões pelo corpo e dois edemas: um cerebral – seríssimo – e um pulmonar. O músico ficou quase dois meses em estado de coma, e quando retornou a si, precisou de mais dois meses para se recuperar (a traqueotomia a que fora submetido afetara suas cordas vocais alterando seu timbre de voz). Amparado por Lucinha Barbosa, Arnaldo renasceu e foi morar em Juiz de Fora, em Minas Gerais, afastado da mídia e do público em busca de paz. De lá pra cá aparições esporádicas em pequenos shows em São Paulo e no Free Jazz Festival, ao lado de Sean Lennon, fã confesso do’s Mutantes, até o álbum “Let It Bed” em 2004 e a reunião consagradora do grupo em 2007.
“Loki” é um dos daqueles documentários que vangloriam o cinebiografado, mas exibe uma sinceridade tão tocável que anula qualquer comentário contrário a sua imensa qualidade. Rita Lee não topou dar entrevistas para o filme, mas liberou o uso de suas imagens. Bancado pelo canal fechado TV Brasil, “Loki” terá raras e esparsas exibições nos cinemas (em sessões especiais e festivais ao redor do país) até estrear definitivamente na telinha. Uma pena. “Loki” é daqueles filmes que deveriam ficar semanas e semanas em cartaz com grande divulgação e grande público em uma telona. Fique atento e não perca a oportunidade de assisti-lo.
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