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Posts from — dezembro 2007

Cinema: “A Vida dos Outros”

“A Vida dos Outros”, de Florian Henckel von Donnersmarck – Cotação 5/5

Georg Dreyman (Sebastian Koch) é considerado o maior dramaturgo da Alemanha Oriental, tido por muitos como modelo perfeito de cidadão para o país, já que não contesta o governo nem seu regime político. Aparte importante: a história se passa no começo da década de 80, quando um muro (ainda) separava as duas Alemanhas, e a RDA (República Democrática da Alemã), por meio de sua polícia política, a Stasi, vasculhava a vida de seus moradores procurando desertores e pessoas contrárias ao regime, que sumiam na noite para nunca mais voltarem ou eram completamente colocadas à margem na sociedade.

Dreyman não planeja nada contra o governo da RDA, mas o ministro da cultura, Bruno Hempf, tem lá suas dúvidas, e pede a Stasi um pacote completo de escuta telefônica na casa do teatrólogo, motivado primeiramente por desconfiança, e posteriormente por interesses pessoais (sexuais). Anton Grubitz (Ulrich Tukur), um chefão da Stasi, encarrega o amigo Gerd Wiesler (Ulrich Mühe), seu subordinado, para o serviço. Wiesler é um dedicado funcionário do governo que leciona para futuros profissionais da polícia enquanto se gaba de conhecer as artes da tortura emocional em sessões de interrogatório.

Temos, então, quase todas as principais peças no tabuleiro para movimentarmos o roteiro impecável de “A Vida dos Outros” (escrito e dirigido por Florian Henckel von Donnersmarck). A única peça que falta é Christa-Maria Sieland (Martina Gedeck), atriz e namorada do dramaturgo. Christa exala encanto e todas as outras peças, em momentos diferentes do filme, circulam ao seu redor, revelando – talvez – a única fragilidade ideológica da obra: as mulheres (com base neste personagem feminino) são mais vulneráveis, inseguras e maleáveis do que os homens, o que não deixa de ser uma meia verdade (machista, mas meia verdade), e permite indagações que, se não chegam a manchar o brilho poético da obra, abrem uma fresta que pode revelar uma premissa insustentável.

Porém, “A Vida dos Outros” exala muito mais luz e emoção por outras frestas desta casa vigiada 24 horas por dia por agentes da RDA. O capitão Wiesler dedica-se nas análises das escutas e, quando percebe, está completamente envolvido pela vida de Dreyman e Christa. Por outro lado, o ministro pressiona seus subordinados para que eles encontrem algo que possa incriminar o dramaturgo. Há, no personagem do capitão Wiesler, um senso de dever ao governo que se confronta com seu próprio senso de justiça, o mesmo que faz com que ele – friamente – arranque confissões em interrogatórios. É na visão delicada deste embate entre dever e justiça que “A Vida dos Outros” se transforma em poesia cinematográfica.

Seu ápice climático acontece, não à toa, no ano de 1984, e cria um paralelo com a famosa obra de George Orwell – que também discute vigilância estatal e o retorno a um regime parecido com o estalinismo. As citações são várias. Em uma delas, um escritor – simpatizante dos dissidentes – recebe uma máquina de escrever que contém as letras do alfabeto romano para que ele possa redigir um texto para ser publicado do outro lado do muro, pois na RDA era expressamente proibido o uso de uma máquina dessas, e quem as usasse seria tratado como traídor do regime político. Em “1984”, o livro, o estado controlava o pensamento dos cidadãos, entre muitos outros meios, pela manipulação da língua.

O aprofundamento teórico, no entanto, é apenas um verniz que faz brilhar ainda mais uma história tocante, que é contada sem atropelo, exageros ou maniqueísmos. Por mais que a política esteja no pano de fundo de sua história, o filme se impõe como um tratado cuidadoso sobre a natureza do ser-humano e das próprias relações humanas. Em certo momento, o ministro diz ao dramaturgo, em tom de (falso) elogio: “Você acredita que as pessoas mudam… isso é bonito em peças de teatro… mas elas não mudam”.  Von Donnersmarck, o diretor, discute essa certeza de seu personagem com muito lirismo.

Com um orçamento ridículo para os padrões hollywoodianos (US$ 2 milhões), “A Vida dos Outros” se vale de um roteiro impecável, atuações convincentes e uma direção tão delicada que nem se faz perceber durante os 137 minutos empolgantes da fita. Além de levar o Oscar de Filme Estrangeiro, o filme conquistou o Independent Spirit Awards e o Globo de Ouro na mesma categoria, levou três estatuetas no European Film Awards (Melhor Filme, Melhor Ator e Melhor Roteiro) e é o recordista de indicações (11 no total) na história da premiação anual da Alemanha.

Muita gente não leva o Oscar a sério, e com certa razão, já que a premiação comete erros históricos e omissões imperdoáveis. Porém, é importante lembrar que nem só de escorregadas vive a Academia de cinema mais famosa do mundo. E no quesito acertos, “A Vida dos Outros”, vencedor na categoria Melhor Filme em Língua Estrangeira do Oscar 2007, é um belíssimo exemplo para ilustrar o caso.

Mais: se houvesse justiça cinematográfica no mundo, “A Vida dos Outros” poderia ser apontado o Melhor Filme de 2006 numa final entre língua inglesa e não inglesa (algo como o Campeonato Interclubes de futebol – hehe). Não que Scorsese não merecesse um Oscar pela carreira (ele merecia, ele merece), mas enquanto “Os Infiltrados” é uma poderosa crônica sobre o submundo (e perda de valores), “A Vida dos Outros” é uma poesia sobre o início da verdadeira revolução: ela começa em nós mesmos. Ambos são filmes impecáveis e sensacionais, mas politicamente, perdoe a pieguice, fico com o segundo.

Ps. Ulrich Müher, falecido neste ano, merecia uma indicação como Melhor Ator, no mínimo.

dezembro 11, 2007   No Comments

Nokia Trends 1 x 2 Calor

O Nokia Trends encerrou, na noite de sábado (ou, como alguns brincaram, na manhã de domingo) o calendário mais caótico de shows que este país já assistiu em um ano. O festival já saiu perdendo em termos de escalação em comparação com sua própria edição de 2006 (com Soulwax, Hot Hot Heat, We Are Scientists e Bravery), e se tivesse mantido a belíssima estrutura já seria um grande ponto a favor frente ao fiasco do Tim Festival SP deste ano.

Porém, a adaptação do palco no Memorial da América Latina apresentou alguns problemas, cujos principais foram os poucos banheiros disponíveis e, principalmente, o ar-condicionado insuficiente para a quantidade de gente que lotou o festival. A quantidade de caixas e bares foi satisfatória, com um único defeito a ser ressaltado: os caixas só vendiam cartelas de R$ 10 com cinco fichas de R$ 2. Ou seja, se você quisesse comprar um refrigerante, que estava custando R$ 4, teria que comprar a cartela de R$ 10 e “morrer” com os outros R$ 6 (eu voltei com R$ 2 pra casa).

E a música?, pergunta o leitor que entrou aqui para saber disso: Artificial, projeto do Kassin, é uma piada de mau gosto; para falar do Underground Resistence foi usar a frase de um amigo: “Só falta entrar a Gloria Estefan cantando“; não lembro do Van She, um pouco por causa da mistura de vodka e gin, e também porque eles são esquecíveis mesmo; o Phoenix foi bem bom. “Consolation Prizes“, a única música deles que permaneceu no meu computador, ficou muito boa ao vivo. Não que eles valham uma noite, mas são competentes e isso basta; e o She Wants Revenge foi… fraquinho.

Ok, estou sendo exigente demais. O She Wants Revenge é datadaço e não deveria estar tocando naquele local, uma tenda quente hiper-maxi-iluminada cheio de gente estilosa e/ou tentar mostrar algum estilo. O som do She Wants Revenge não casa com a proposta do lugar. Eles precisam de um ambiente menor, mais escuro, mais dark, mais gótico, mais tudo. Não dá para ouvir a voz a la Sisters of Mercy do vocalista do She Wants Revenge com o sol nascendo. Vampiros não podem com o sol. É tão primário.

Na verdade, a escalação de todos os grandes festivais pecou, e muito, em 2007. Tudo o que o marketing tentou vender neste ano foi por água a baixo pelo que se viu no palco. Killers não tem nada a ver com o Tim Festival. Kasabian não é uma banda de porte para fechar um festival tão bacana quanto o Planeta Terra. E She Wants Revenge não pode tocar com o dia clareando. Fica parecendo que, antigamente, os curadores destes festivais iam atrás daquilo que achavam melhor, mas agora pegam o que está dando sopa no mercado de shows. Algo tipo: “Temos essas 20 bandas querendo tocar na América do Sul, qual delas você quer?“.

Trocamos a curadoria pela facilidade (e economia) do que já está no circuito de shows. Para que um curador vai se preocupar em trazer algo novidadeiro se o Killers está dando sopa na América do Sul, não é mesmo? Acontece que a roda não deveria girar desse jeito. Para o Tim Festival, que vende o slogan “música sem fronteiras” e aposta em nomes pouco conhecidos do grande público, o Killers é mega e estaria perfeitamente encaixado como headliner do Terra (iria ser perfeito). E isso abriria para o Tim investir em nomes como Calexico (que estava rodando a América do Sul meses atrás), Beirut (top ten em dezenas de listas de melhores do ano) ou até apostar num Twilight Singers e Soulsavers, garantia de shows inesquecíveis e bom investimento pop.

Dos três grandes festivais deste ano (vamos combinar que o Motomix não existiu, ok), o Nokia Trends foi o que errou menos. O Planeta Terra foi perfeito na estrutura, mas faltou arriscar mais num grande nome que pudesse dar suporte ao evento. Quando se fala mais do quão a estrutura de uma festival foi legal estamos sinalizando que a música ficou em segundo plano. O Tim Festival SP teve alguns dos melhores shows do ano, mas foi terrivelmente frustrante no quesito produção. E o Nokia Trends desceu uns degraus no quesito produção e line-up, mas continuou na mesma vibe dos anos anteriores (nomes pequenos, produção cuidadosa, boa festa). Num mundo ideal, os erros cometidos neste ano deveriam servir de aprendizado para o ano que vem, mas não vou ficar surpreso se todo esse cenário se repetir. Mesmo.

dezembro 10, 2007   No Comments

Top Ten: 10 shows nacionais

Na semana passada publiquei o meu Top Ten pessoal de shows internacionais; nesta semana é a vez dos shows nacionais mais bacanas que eu presenciei em anos e anos de empurra-empurra, cerveja quente, voz rouca no final da noite e momentos inesquecíveis na memória. Diferente da seleção gringa, que aumentou nos últimos anos, a lista nacional remonta aos anos 80, época em que o rock nacional mudava vidas e as bandas – no ápice – passavam todo ano por Taubaté, cidade em que eu morava. Com certeza não é uma lista dos melhores shows brasileiros de todos os tempos. São os melhores shows que eu vi, é bom deixar claro (tem mais 40 aqui).

Porém, fazer uma lista dessas é um teste e tanto de memória que, no meu caso, não anda tão bem (esqueço nome de filmes, artistas, pessoas – às vezes o meu nome mesmo). Com toda certeza, em alguns dos relatos deverei cometer algum erro de data, trocar algo que aconteceu em um show (música, frase) com o que aconteceu em outro (imagina o Ira!, que eu vi mais de 50 vezes ao vivo), mas isso tudo faz parte de uma das coisas mais bacanas da vida: ter histórias para contar. E muitas das histórias da minha vida têm relação com música, então, vamos a dez pequenas histórias dos meus dez shows prediletos:

01) Jards Macalé no Theatro Municipal (2007)
Macalé é um caso de paixão recente em minha vida. O “descobri” apenas em 2001, quando um amigo me deu de presente uma cópia em CDR do álbum “Farinha de Desprezo” (fora de catálogo), debute de Macalé em 1972 logo após ele ter produzido, em Londres, o clássico “Transa”, de Caetano Veloso. Porém, de 2001 pra cá fui compensando a descoberta tardia com várias audições do álbum e de outras pepitas de seu excelente repertório.

Então a Prefeitura de São Paulo, em uma iniciativa louvável, convocou o maldito para se apresentar às 3 da manhã no imponente palco do Theatro Municipal da cidade no meio da Virada Cultural que agitou a cidade neste ano tocando “Farinha de Desprezo” na integra. Grande notícia: Jards teria ao seu lado a lenda da Tropicália Lanny Gordin, que gravou todas as guitarras e baixo do álbum em 1972. Às 3 da manhã lá estava eu na primeira fila do Theatro Municipal frente a frente com a história da música (im)popular brasileira.

O show foi um crescendo incrível seguindo o tracking list do álbum original, com a faixa título (que ganhou versão, nos anos 80, do Camisa de Vênus) abrindo e sendo seguida por “Revendo Amigos”. Em “Mal Secreto” (um dos grandes momentos da madrugada), o teatro lotado seguiu no embalo da canção comandada pela guitarra de Lanny. “Movimento dos Barcos”, “Farrapo Humano”, “Let’s Play That”, “Meu Amor Me Agarra & Geme & Treme & Chora & Mata” e, no bis, “Vapor Barato” fizeram desta noite algo inesquecível, difícil de traduzir em palavras. Por sorte, lá estava eu com minha boa câmera digital. O vídeo que filmei, e que Capitu postou no Youtube, pode ser visto aqui. Ele dá uma boa dimensão da grandiosidade dessa noite.

Leia mais sobre o show e a Virada Culural

02) Legião Urbana no Clube de Regatas em São José dos Campos (1992)
Foram cinco as vezes que assisti a um show da Legião. Os primeiros (da turnê do álbum “Dois”, em 1987, e do “Quatro Estações”, dobradinha em um 12 e 13 de junho no Taubaté Country Club em 1989) foram terríveis. Só dava para ouvir a caixa de bateria do Bonfá e a voz do Renato, mais nada. Já neste foi tudo diferente. Primeiro devido ao fato da turnê do álbum “V” não ter passado por Taubaté, o que me fez ir com amigos assistir ao show em São José dos Campos (cidade quase vizinha). Tentei pescar na memória, mas não consegui: não lembro se o show foi no Teatrão ou no Clube de Regatas (ou em algum outro lugar).

Sei que, segundos após a banda ter iniciado a apresentação com “Será”, a placa que separava o público do palco arrebentou, e alguns fãs foram parar embaixo das armações. Assim que seguranças formaram uma nova placa de proteção, acabei ficando na primeira fileira, quase com os braços apoiados no palco. Foi perfeito. O som, desta vez, estava muito melhor. A iluminação era uma das mais belas que eu havia visto até então. E o trio que acompanhava Renato, Dado e Bonfá desde a turnê do álbum anterior já estava bem entrosado, o que deu qualidade a apresentação.

Mas não tem jeito: quando se fala em Legião ao vivo, se fala de Renato Russo e seu costumeiro show particular sobre o palco. Neste show ele estava possesso, transformando quase todas as letras novas (do álbum “V”) em ataques diretos ao então presidente Fernando Collor, tais como em “Metal Contra as Nuvens”: “Perdi a minha sela e minha princesa / Perdi o meu castelo e minha poupança” ou “Reconheço o meu pesar / Quando tudo é traição / O que venho encontrar / È o dinheiro em outras mãos” ou “E por honra, se existir verdade / Existem os tolos e um presidente ladrão”. Fez mais: simulou um desmaio, cantou o “Hino Nacional” (na verdade, “Carinhoso”) inteirinho dentro de “Vento no Litoral” e, em “Sereníssima”, na parte final do show, arremessou o pandeiro – que o acompanhava desde o início – com violência ao chão dividindo o instrumento em três partes. Uma delas ilustra o final deste texto. Foi a última vez que vi Legião ao vivo, e foi sensacional.

03) Titãs no Taubaté Country Club (1986)
Em 1986 era possível fazer seus pedidos a uma rádio FM, e ouvi-los, diferente de hoje, em que o que toca é tudo aquilo que está no borderô designado pela área de marketing das gravadoras. Em 1986 o Titãs havia lançado “Cabeça Dinossauro”, um disco pesado que criticava três grandes instituições (a polícia, a família e a igreja) ao mesmo tempo que clamava para que os bichos escrotos saíssem dos esgotos e as zebrinhas listradas fossem “se foder”. Houve um boicote inicial por parte das rádios, mas a voz do público (que superlotava as apresentações) e pedia canções insistentemente nas rádios foi mais forte.

Ao contrário de vários grupos que melhoravam ao vivo (como o Ira!) ou pioravam (como a Legião ou o Capital Inicial), o Titãs fazia no palco exatamente a mesma coisa que você ouvia no velho vinil, com o acréscimo da troca constante de vocalistas e outros destaques visuais. Ou seja: eles eram perfeitos ao vivo. A quadra do Taubaté Country Club (clube classe A/B de Taubaté) era o local oficial de shows na cidade, e tinha todos os defeitos que se pode esperar de um local adaptado para tal função: péssima acústica, iluminação sofrível e vários outros pontos negativos.

Porém, no palco, estavam os Titãs em sua formação completa exalando raiva e testosterona em uma apresentação irrepreensível. Os shows da turnê “Cabeça Dinossauro” eram punk rock para as massas. Lembro de uma frase de um amigo durante a execução de “Porrada”, cantada por Arnaldo Antunes: “Tem gente caindo da arquibancada!!!”. Aquilo era impressionante demais para jovens de 15 anos que não tinham como entender “A Face do Destruidor”, mas queriam berrar para toda sociedade ouvir o “vão se foder” de “Bichos Escrotos”, censurada nas rádios, mas um hino da galera.

04) Sepultura no Olympia (1996)
O último grande show do Sepultura em terras brasileiras antes da saída de Max e do declínio criativo. No palco, a banda dividia as honras da casa com o Ratos de Porão, que fez um show violento e assustador. O Sepultura estava em alta no mercado. Tinham lançado “Roots”, que os havia transformado na banda de metal número 1 do mundo. Ao vivo não tinha como discordar. Porradas mais antigas como “Inner Self” e “Troops Of Doom” conviviam lado a lado com hinos do calibre de “Dead Embryonic Cells”, “Territory”, “Refuse/Resist” e versões de “Monólogo Ao Pé Do Ouvido” (Chico Science e Nação Zumbi) e Titãs (”Policia”). Pra fechar a tampa, “Orgasmatron”. Aliás, essa música me lembra um dos meus grandes momentos em festivais: Hollywood Rock, Pacaembu, última música do show do Sepultura, e eles tocam ela. Giro 360 graus e o estádio inteiro pulava ao som do clássico do Motorhead. Até hoje acho que o show fraco show do Urge Overkill, que veio na seqüência, foi bundamolice frente a um público – pra eles – tão metal.

05) Ira! no Aeroanta (1991)
Eu já tinha visto dezenas de shows do Ira! até então, mas eles estavam lançando um bom disco (”Meninos da Rua Paulo”) e fecharam uma temporada de três noites no Aeroanta, que ficava Plaza of the Potato (como carinhosamente chamávamos o famoso Largo da Batata, em Pinheiros), em São Paulo. Uma coisa era ver o Ira! tocar em Taubaté ou Campos do Jordão. Outra, totalmente diferente, era vê-los em São Paulo. A banda tocava muito mais á vontade, mais solta. Nasi chegava ao microfone e dizia: “É bom poder vir a pé de casa pro show”. Isso tudo se refletiu nas três noites, com uma banda inspirada tocando clássicos próprios e covers como “Stand By Me” (famosa com Lennon), “Should I Stay or Should I Go” (Clash) e “Foxy Lady” (Hendrix). Na última noite, sábado, eles bateram o recorde de público da casa. Em “Núcleo Base”, Nasi provocou: “Você pensa que sou louco, mas estou só te olhando / Você pensa que sou tolo, mas não sou corintiano”. Eu e mais uns dois berramos no microfone: “Timão”. Ele riu. Bons tempos.

06) Graforréia Xilarmônica no Upload Festival, Sesc Pompéia (2001)
Após dois discos exemplares de tão bons (a estréia, “Coisa de Louco II”, de 1995, e “Chapinhas de Ouro”, 1998), a Graforréia pendurou as chuteiras no final de 1999. Em novembro de 2001, porém, o trio se reagrupou para uma apresentação única na segunda noite do Upload Festival, e a cena indie nacional estremeceu. O palco do teatro do Sesc Pompéia deixou de existir naquela noite: não havia separação entre banda e público. O show foi um coro entoando canções como “Amigo Punk”, “Eu”, “Nunca Diga”, “Grito de Tarzã”, “Eu Gostaria de Matar Os Dois”, “A Empregada”. Uma comunhão entre banda e público como poucas vezes presenciei na vida que, por si só, já bastaria para colocar o show nesta lista pessoal, mas houve “o momento”: devido ao limite estourado do horário, a organização do Sesc Pompéia optou por encerrar o show na força (melhor, na falta de força). Desligando o som, o Sesc acredita que colocou fim à noite. Engano: pedindo silêncio, os três integrantes fazem ainda mais uma música, com os instrumentos desligados. O público cantava em um coro sussurrado e pulava abraçado no refrão de “Colégio Interno”. No último acorde, mudo, o público tomou o palco para cumprimentar a banda. De emocionar.

07) RPM no Taubaté Country Club (1987)
Paulo Ricardo tenta a todo custo denegrir sua própria imagem o tanto quanto pode (e agora volta a cuspir na escultura com o lançamento da biografia de título infame “Revelações Por Minuto”), mas é impossível não baixar a cabeça e considerar como marco a turnê “Rádio Pirata ao Vivo”, que sacudiu o país na segunda metade dos anos 80 rendendo o disco de rock mais vendido de todos os tempos em terras brasilis. Eles tinham passado pela cidade com o bom show da turnê anterior um ano antes, mas em 1987 eles eram outra banda, outro negócio, algo mais cabeça e profissa. O começo – com a introdução de tecladeira de “Revoluções Por Minuto” – é claro na memória até hoje assim como a imagem de meninas chorando compulsivalmente na platéia. Acho que foi o mais próximo que estive da beatlemania.

08) Mundo Livre no Sesc Pompéia (2000)
Eu estava desempregado e desiludido. Tinha chovido, e aquele cheiro de terra molhada estava no ar, me fazendo sentir saudades de casa (eu tinha acabado de me mudar pra São Paulo). O futuro era negro, e resolvi expurgar os demônios assistindo a uma das bandas que eu mais respeitava, a banda que tinha me feito escrever meu texto e montar um fanzine alguns anos antes. Eu nem tinha ouvido o disco que eles estavam lançando, “Por Pouco”, e que seria a base do show, mas ser surpreendido era tudo o que eu precisava para levantar a cabeça, sacudir a poeira e dar a volta por cima. Em um rascunho de texto da época escrevi: “Eu nunca pensei que fosse me culpar por não saber sambar.”. Do capítulo “shows podem mudar a vida de uma pessoa para sempre”.

Rascunhos de uma resenha perdida

09) Los Hermanos no Blen Blen (2002)
A banda certa no momento certo. Em 2002, o Los Hermanos era o grande nome da música nacional. Eles tinham brigado com a gravadora e lançado um álbum fenomenal, “Bloco do Eu Sozinho”, que se não repetiu as vendas da estréia (300 mil discos ancorados no sucesso radiofônico de “Anna Julia”), deu a eles o respeito da crítica especializada e de um público que, naquela primeira hora, ainda não os tratava com a devoção dos anos seguintes, mas já cantava todas as músicas. Era um show de apenas dois álbuns, ou seja, pouca coisa ficou de fora. E tinha serpentinas em “Todo Carnaval Tem Seu Fim”, e tinha a espetacular “A Flor”, e tinha a sentimental “Sentimental”…

10) Edgard Scandurra no Sesc Consolação (2002)
Para assistir a esse show, eu sai de casa três minutos antes do horário marcado. Quando cheguei à área de convivência do Sesc Consolação, Edgard estava afinando o violão e um público de aproximadamente 300 pessoas procurava o melhor lugar para ver a apresentação. O pequeno show fazia parte do projeto Sons 80, do Sesc SP, que visava trazer um artista significativo mostrando canções dos anos 80 em formato voz/violão. Scandurra abriu o projeto com “Saída” e “Mudança de Comportamento”, ambas do primeiro e clássico disco do Ira! de 1985. Seguiu-se “Casa de Papel” e “XV Anos” de “Vivendo e Não Aprendendo”. De “Meninos da Rua Paulo” ele retirou “Amor Impossível”, “O Tolo dos Tolos”, “Não Mataras” e uma versão arrepiante de “Prisão das Ruas”. Ali pelo meio, disse: “Essa eu acho sempre atual. Todas as manhãs de domingo são assim”, e mandou uma das grandes canções de um dos prováveis melhores discos de todos os tempos do rock nacional: “Psicoacustica”. Inesquecível.

Texto da época para a revista Rock Press

E você: quais são os seus dez shows nacionais inesquecíveis?

dezembro 7, 2007   No Comments

O nome dela é… Carla Bruni

Ok, ok, ok: prometo que após mais este post essencialmente masculino, vou dar uma maneirada nessas coisas de menino ficar falando de belas mulheres (e eu ainda nem contei uma história de que comprei o “Bed”, da Juliana Hatfield, devido ao fato da capa ser um close no rosto dela ao travesseiro… linda). Mas desta bela mulher que vou falar a questão não gira apenas em torno de sua beleza.

Recebi hoje (Made in Argentina, a indústria fonográfica de lá ainda funciona, e bem, com vários lançamentos que nunca vão chegar aqui) os dois álbuns da cantora e compositora ítalo-francesa Carla Bruni, que trocou as passarelas pela música (ela foi uma das modelos mais bem pagas do mundo de 1987 a 1998) e lançou “Quelqu’un m’a dit” (2002, cantado em francês) e “No Promises” (2006, em inglês), ambos editados nos vizinhos portenhos e ignorados pelos gênios que comandam nosso mercado de música.

Carla Bruni nasceu na Itália em 1968 (ou seja, está com 39 anos), e deixou o país quando a família partiu para um exílio na França, em 1973, fugindo do terrorismo das Brigadas Vermelhas. Cresceu em Paris, tendo cursado parte de seu período escolar na Suíça e, de volta à França, estudou na Sorbonne. Sobre “No Promises” escrevi o seguinte nos 500 Toques da Revoluttion em setembro:

“No Promisses”, Carla Bruni (Downtown)
Ela já foi uma das vinte modelos mais bem pagas do mundo, namorou Mick Jagger e Eric Clapton, e sua família tem grana suficiente para que ela vivesse de brisa, mas a música a resgatou. Em seu segundo álbum, a compositora franco-italiana compõe melodias folk para poemas de Yeats, Auden e Dickinson, entre outros. O resultado não é um Leonard Cohen de saias e belas pernas, mas merece atenção. A ironia dos textos fica em segundo plano, e uma voz rouca e pequena pede para cantar em sua orelha. Deixe.
Nota: 7,5
Preço em média: $45 (importado)

E era isso acima mesmo. Porém, assim que coloquei hoje o CD (capinha digipack e um generoso encarte que – além de belas fotos da compositora – traz todos os poemas e uma pequena apresentação dos poetas que compõe o álbum) no computador, “ganhei” um link para uma área exclusiva do site da cantora com dezenas de fotos (selecionei algumas, abaixo), quatro vídeos, um pequeno documentário de 15 minutos e duas faixas para download: uma versão editada de “Those Dancind Days Are Gone”, single e um dos grandes momentos de “No Promisses”, e uma versão da mesma canção com Lou Reed declamando versos no final. Uau.

Bem, lendo agora os parágrafos acima, até que o post não ficou tão coisa de menino assim, não é mesmo. E a voz de Carla Bruni compensa a leitura e as imagens abaixo que, assuma, são bonitas de se ver.

dezembro 5, 2007   No Comments

“In Rainbows”, parte 2, a missão

Acaba de cair na web a segunda parte do melhor disco de 2007, e também dois clipes ao vivo em estúdio com a banda matando a pau em duas canções do novo álbum: “Jigsaw Falling Into Place (Thumbs Down Version)” e “Bodysnatchers (Thumbs Down Version)”.

Radiohead – In Rainbows [CD 2]

Tracklist:
Mk 1
Down Is The New Up
Go Slowly
Mk 2
Last Flowers
Up On The Ladder
Bangers And Mash
4 Minute Warning

No Youtube do Radiohead os clipes

Ps: “Last Flowers” é foooooooooooooooooooodaça!

O Radiohead surpreendeu o mundo ao avisar, dez dias antes, que iria lançar seu novo álbum por download em uma época que os discos vazam meses antes de chegarem às lojas. “In Rainbows” foi lançado virtualmente, a banda tomou pra si o Top Ten da parada da rádio on line Last FM (que nas últimas sete semanas estampa as dez músicas do álbum como as dez mais ouvidas por seus usuários cadastrados num total assustador de mais de 13 milhões de execuções) e, agora, é a vez da segunda parte do disco cair na web.

Segunda parte? Isso mesmo. “In Rainbows” é composto de dois discos. O primeiro lançado no mês passado, e o segundo faz parte da edição especial com discos em vinil e outros badulaques que o grupo está vendendo por 40 libras no site oficial. Esta edição especial apresenta, na teoria, oito faixas novas. Na prática são apenas seis, pois “MK 1? e “MK 2? são faixas instrumentais curtinhas (a primeira com pouco mais de um minuto, a segunda com apenas 40 segundos).

Porém, as outras seis faixas mantém a qualidade e o espírito do álbum, com o grande destaque ficando para a balada ao piano e violão “Last Flowers”. A segunda metade de “In Rainbows” é completada por “Down Is The New Up”, “Go Slowly”, “Up On The Ladder”, “Bangers And Mash” e “4 Minute Warning”. Junto com o álbum também caiu na rede os dois primeiros clipes (ao vivo em estúdio) do novo disco.

dezembro 3, 2007   No Comments

Um disco para salvar almas

“It’s Not How Far You Fall, It’s The Way You Land” é o segundo álbum do projeto Soulsavers, capitaneado pela dupla britânica Ian Glover e Richard Machin. O duo usa a eletrônica como ponto de partida para criar climas atmosféricos que se tornam grandiosos com o acréscimo do cantor Mark Lanegan (ex-vocalista do Screaming Trees, colaborador do QOTSA e mais uma dezena de epítetos), que assume os vocais em oito das onze faixas do álbum. Com Mark Lanegan no comando, já dá para imaginar o que vem pela frente: uma voz encharcada de bourbon sobre uma cama de guitarras estridentes, teclados climáticos, backings femininos e alfinetadas de eletrônica que soam como se a soul music tivesse nascido em Bristol, na Inglaterra.

Vai soar exagerado, eu sei, mas a voz sombria de Mark Lanegan esperava a anos por uma cama tão apropriada. Se em seus trabalhos solo, o rock e o blues dançavam de forma etílica por noites a fio, em “It’s Not How Far You Fall, It’s The Way You Land” Mark Lanegan abraça o soul (eletrônico) e, de mãos dadas, saem a bailar por noites sem fim de dias cinzas. Assim como Nick Cave, Mark Lanegan aponta os dedos para o criador e lhe dispara perguntas: “Por que estou tão cego com os meus olhos bem abertos? Eu preciso de você… é pecado pôr fim ao meu sofrimento?”, canta na baladaça “Revival”, de bateria pesada e clima contagiante.

Em “Ghosts Of You And Me” o clima é tão barra pesada (muito pela tempestade de riffs barulhentos que tomam a melodia pra si) que o interlocutor comenta: “Se eu tivesse um gato preto, não estaria tão sozinho”. O clima denso aumenta na faixa seguinte, “Paper Money”, em que Mark Lanegan grita como se estivesse sendo esfaqueado por uma falsa Afrodite enquanto diz: “Você não pode amar como eu”. A tensão se mantém em “Ask The Dust” faixa instrumental que conjuga riffs sujos de guitarra, teclados fantasmagóricos e bateria (eletrônica) quebrada com ênfase nos pratos.

Após tanto sofrimento em forma de barulho, “Spiritual” surge para purgar todos os pecados (deles e nossos). “Spiritual” é uma versão dos Soulsavers para o original do Spain, grupo liderado por John Hades (filho do lendário baixista de jazz Charlie Haden). No começo é só órgão e a voz limpa e cristalina de Mark Lanegan pedindo: “Jesus, não quero morrer sozinho / Meu amor era falso / Agora tudo o que tenho é você / Jesus não me deixe morrer sozinho”. A música cresce, as alfinetas de eletrônica marcam presença, mas é a voz de Mark Lanegan que te leva ao paraíso.

Em “Kingdom Of Rain”, violão e efeitos acompanham a voz. “Through My Sails” é lirismo em forma de canção pop: um teclado gélido, riffs de guitarra pontuando o arranjo e a letra mastigando a brisa marinha. Mark Lanegan sai de cena nas duas faixas seguintes, instrumentais (”Arizona Bay” e “Jesus Of Nothing”), mas retorna para fechar a tampa com uma magnífica versão de “No Expectations”, dos Stones fase “Beggars Banquet”. Sua voz caminha calmamente sobre uma base de órgão (com notas de violão ambientadas ao fundo) enquanto transforma em sons as palavras doloridas de Mick Jagger: “Nosso amor é como nossa música: está aqui e, depois, se foi”. Clap, clap, clap.

dezembro 3, 2007   No Comments

100 Filmes e 100 Livros essenciais

A Bravo lançou neste ano duas edições especiais muito interessantes, e que merecem uma busca nas bancas: “100 Filmes Essenciais” e “100 Livros Essenciais”. Não sei se a primeira ainda esta à venda, mas a segunda esta nas ruas faz umas três semanas, e embora tenha esgotado em várias bancas, com uma boa procurada você encontra. A primeira ainda traz como atrativo a participação do chapa Jonas Lopes redigindo vários dos textos sobre os 100 filmes.

Particularmente parto do pensamento que se toda lista comete erros, melhor deixar o blá blá blá de lado e aproveitar o momento. Desta forma, o Top 100 da Bravo nas duas categorias chegou como referencia aqui em casa. Os editores dos dois especiais citam como base para as listas fontes confiáveis e importantes, e cânones do gênero marcam presença ao lado de “novatos”. Falta isso ou aquilo sim, como em qualquer lista, mas é bastante divertido folhear as edições e partir para um “quantos eu li e/ou assisti”.

Desta forma, entre os “100 Filmes Essenciais” da Bravo assisti a 41 e outros quatro estão a caminho (aguardando o devido momento na prateleira de DVDs de casa: “Butch Cassidy”, “Era Uma Vez no Oeste”, “Touro Indomável” e “Ladrões de Bicicleta”). Já em livros, o negócio é bem mais complicado. Dos “100 Livros Essenciais” eu só li… 14. Isso sem contar que estou na página 30 e pouco de “O Estrangeiro”, do Camus; que li só umas 20 páginas de “O Apanhador no Campo de Centeio”, do Salinger; e que li apenas o primeiro dos sete volumes do “Em Busca do Tempo Perdido”, do Proust.

Se não fosse Shakespeare, sei lá o que seria de mim. Dos 14 livros que li da lista de 100 da Bravo, três são do amigo William: “Hamlet”, “Otelo” e “Noite de Reis”. Se houvesse mais vinte do Shakespeare na lista, eu teria mais vinte livros lidos. E isso acontece porque eu nunca li títulos, mas sim autores. Sempre li por indicação ou referência de algum ídolo ou amigo. Li Hermann Hesse (”O Lobo da Estepe”, número 95 na lista de 100 da Bravo) quando tinha 13 anos após uma indicação de Cazuza em uma Capricho (!!!) qualquer que sei lá como caiu em meu colo.

Depois de “O Lobo da Estepe” (que veio a mudar a minha vida completamente na segunda leitura, aos 18 anos) vieram “Demian”, “O Jogo das Contas de Vidro”, “Narciso e Goldmund”, “Caminhada” (um dos meus livros mais queridos de todos os tempos) e “Sidarta”, que eu só consegui passar da página 20 na sétima ou oitava tentativa de leitura. O mesmo aconteceu com Aldous Huxley. Comecei com “As Portas da Perceção / Céu e Inferno” por causa de… The Doors. Em seguida vieram os sensacionais “Admirável Mundo Novo”, “O Macaco e a Essência” (meu livro preferido ever), “A Ilha”, “Contraponto” e, um pouco abaixo, “Os Demônios de Loudun” e “Sem Olhos Em Gaza”.

Comigo sempre foi assim: eu lia um livro de um escritor x e ia fuçar toda a obra dele. Dei uma tremenda sorte com o sr. William porque na Biblioteca Municipal de Taubaté havia uma coleção de mais de 30 volumes com coisas dele. E era uma edição caprichada, tipo a que eu vou querer ter quando envelhecer: além da fluente tradução, os apêndices traziam dezenas de informações sobre cada obra, localizando a história no tempo e espaço, mostrando de que lugar Shakespeare retirou tal parte da história e a colocou como sua narrativa (você sabe que o Shakespeare era um grande charlatão, né? Um sensacional charlatão, diga-se de passagem) e mais, mais e mais.

Certa vez escrevi que havia lido mais de 1000 livros, mas só me lembrava da história de uns 10 (e olhe lá). E é bem verdade isso. Na minha longa temporada em Taubaté (mais de 20 anos), os livros eram companheiros inseparáveis. Já em São Paulo, desde que comecei a dormir aqui todos os dias (a partir de 2000), a leitura virou algo raro. Não sei se é o barulho dessa cidade que não dorme; não sei se é a oferta constante de entretenimento; não sei. Só sei que faz uns dois anos que não leio um livro que não tenha relação com cultura pop. Com isso, alguns Salman Rushdie se acumulam na prateleira, e mesmo o obrigatório Phillip Roth (”O Complexo de Portnoy”, número 96 do listão) está encalhado por aqui, e só saiu da prateleira porque Lili se empolgou e começou a lê-lo.

E é exatamente ai que entram em cena estes especiais da Bravo: eles fazem acordar dentro da gente algo que está adormecido, no caso, a vontade de devorar cultura. Olho a lista de filmes e livros da Bravo e penso que preciso ver “Oito e Meio” do Fellini (Lili fala desse filme uma vez por semana desde que começamos a namorar, e lá se vão 20 meses), “Jules e Jim” e “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, e que preciso terminar de ler o Camus para começar o Faulkner (”O Som e a Fúria”), Beckett (”Esperando Godot”), Cortazar (”Jogo da Amarelinha”) e Dostoievski (”Crime e Castigo”). Não posso viver apenas com Woody Allen, Francis Coppola, Krystof Kiesloviski (ausente no listão da Bravo), Billy Wider, Ligia Fagundes Telles, William Blake, Rainer Maria Rilke, Oscar Wilde, Rimbaud e… Nick Hornby (risos), entre muitos outros. Espero que você também não.

dezembro 2, 2007   No Comments