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Inteligência a favor da música

Dizer, a essa altura do campeonato, que Fernanda Takai sempre teve um jeito de Nara Leão é menosprezar a inteligência do ouvinte. Não que a semelhança inexista, mas é que usar esse argumento após o lançamento de “Onde Brilhem Os Olhos Seus” (álbum em que a vocalista do Pato Fu interpreta canções cantadas outrora por Nara) é mais do que chover no molhado: é render-se ao mínimo divisor comum das letras. E “Onde Brilhem Os Olhos Seus”, por sua imensa qualidade, não merece isso.

Fernanda Takai sempre trafegou – de mãos dadas com o parceiro e marido John Ulhoa – em um território totalmente diferente do de Nara Leão, o do pop rock inteligente (algo raro em um mundo que valoriza o desgaste de fórmulas de sucesso). Nesta investida do casal (sim, “Onde Brilhem Os Olhos Seus” não é só um disco de Fernanda, mas também de John) por um território quase que totalmente desconhecido (o Fu brincou com o samba no batucão “G.R.E.S.” e no sambinha “Tribunal de Causas Realmente Pequenas”), o que mais chama a atenção é a não rendição as fórmulas fáceis.

Sim, pois por mais que o Pato Fu tenha se tornado uma instituição inatacável dentro do famigerado cenário brasileiro (importante: seguindo seus próprios passos) injetando genialidade num lugar caracterizado por monotonia, as fórmulas vão estar sempre presentes para que os “espertos” esvaziem os bolsos dos incautos. E não é que se esperasse de Fernanda e John, após tantos anos de bons serviços prestados a música brasileira, um salto ao lado negro da força, mas sacumé, o que esperar de um repertório calcado por clássicos incontestes do quilate de “Com Açúcar, Com Afeto”, “Luz Negra”, “Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos”, “Insensatez” e “Ta-Hi”?

Porém, Fernanda e John surpreendem acolhendo este repertório de clássicos do cancioneiro nacional e os renovando com arranjos espertos que passeiam pelo “pop, rock, folk, jazz, dixieland, baião-techno e soul branco”, como analisa um dos idealizadores do projeto, Nelson Motta, no belíssimo trabalho gráfico do CD. Entre os pontos altos se destacam a fofa “Diz Que Fui Por Aí” (Zé Kéti / Hortensio Rocha), a deliciosa “Odeon” (Ernesto Nazareth / Hubaldo / Vinicius), a belíssima “Com Açúcar, Com Afeto” (Chico Buarque) e “Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos” (Roberto e Erasmo).

O que mais chama a atenção neste trabalho é a autoralidade da produção de John, que valoriza as canções e as transporta para um território conhecido (aquele em que o Pato Fu trafega com tranqüilidade) sem agredir as matrizes originais. Seria fácil e simplista demais para Fernanda fazer um disco homenageando Nara que soasse exatamente como Nara Leão soava.

“Onde Brilhem Os Olhos Seus” segue outro caminho: é a Nara travestida de Pato Fu (várias canções do álbum encaixariam perfeitamente no repertório da banda mineira), numa aproximação de Fernanda com Nara que, além de homenagear uma das grandes interpretes da MPB, permite valorizar uma das grandes personalidades musicais de nossa música atual: Fernanda Takai. E é nesse aproximação que o álbum consegue seu maior intento: valorizar duas interpretes que souberam, cada uma ao seu modo, usar a inteligência a favor da música.

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