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Posts from — dezembro 2007

Cenas da vida em São Paulo, Parte 5

Rua Augusta, 8h20, manhã de 31 de dezembro de 2007. O sol está a pino e os relógios marcam 27 graus. O dia está apenas começando. Um homem de uns 40 e poucos anos desce cambaleante pela calçada levando na mão esquerda uma sacola de plástico que parece muito maior do que o que ela leva dentro de si. Visivelmente abalado alcoolicamente, nosso amigo não caminha, dança ao som do vento, embora nem esteja ventando.

Do outro lado, uma garota deixa uma casa noturna da Augusta (se é que você nos entende) gritando para o amigo na portaria:

– Vou ali fazer uma correria, já volto.

Ela é, notadamente, uma dama da noite. Magra, com um colant cinza por baixo do top preto, ela não aparenta ter mais do que 30 anos. É fim de expediente, e mesmo assim ela brilha na manhã ensolarada de São Paulo. Se retirar a maquiagem e colocar uma roupa um pouco mais normal, poderia perfeitamente ser apresentada como namorada de algum sortudo numa casa de família tradicional, e todos iriam adorá-la. Ela caminha decididamente, mas é abordada pelo bêbado. O diálogo que se seguiu dificilmente poderia ser reproduzido fielmente, mas vale a tentativa:

– Oi, oi, oi – diz o rapaz pegando a mão da moça e beijando-a como se ela fosse uma princesa (e ela deveria realmente ser… para ele).

– Oi, tudo bem? – responde ela retribuindo ao homem uma atenção insuspeita; é possível perceber que ela está sendo importunada, que ela não queria ter parado ali, mesmo assim ela trata o homem com a maior delicadeza possível.

– Então, e ai? – diz ele

– É isso, é isso – responde ela, apressadamente

– Espera, você é linda demais – e a voz dele carrega no “demais” deixando o ar com cheiro de algum aguardente barato; ela ainda permite que ele a segure pelas mãos, mas o improvável casal não consegue terminar uma frase útil que seja.

– É bom olhar você…

– Que legal…

– É legal…

– Um barato…

– Sabe… sabe… sabe…

– Eu acho muito legal…

– (sorrisos)

– Eu preciso ir…

– Olha, não…

– Então…

– Pô, você lembra???

– Lembro, claro que lembro – ela solta a mão dele e volta ao seu trajeto normal…

– Ela lembra, ela lembra – ele comenta sorridente com as pessoas no ponto de ônibus, e grita para ela:

– Feliz ano novo.

Ela apenas acena a mão e some entre os prédios. Ele, atingido pelo vento que não venta, cambaleia, e continua seu trajeto descendo a Augusta. Aproximadamente uns vinte metros depois aborda outra dama da noite, tenta pegar a sua mão, e ante a negativa vai direto para o final da história:

– Feliz ano novo.

O sol está a pino e o ano está acabando. Previsão para 2008: ressaca.

dezembro 31, 2007   No Comments

Melhores do ano ao redor do mundo

A Metacritic compilou 26 listas de Melhores do Ano de diversas publicações ao redor do planeta. Três bandas dominam metade dos números 1: Radiohead (6 primeiros lugares), LCD Soundsystem (4) e Arcade Fire (3) juntos somam 13. A outra metade fica dividida entre gente como Battles, Feist, Spoon, National, Bruce Springsteen e Panda Bear, entre outros. Veja quais veículos se dividiram entre os três primeiros:

“In Rainbows”, Radiohead
Billboard, Delusions of Adequacy, Filter, Mojo, Noripcord, PopMatters

“Sound Of Silver”, LCD Soundsystem
Drowned In Sound, MusicOMH, The Guardian, Uncut

“Neon Bible”, The Arcade Fire
Lost At Sea, The Onion AV Club,  Q Magazine

A Rolling Stone americana escolheu “Kala”, da cantora M.I.A., como disco do ano; a badalada The Wire ficou com “Comicopera”, de Robert Wyatt; a Spin apontou “New Wave”, do Against Me!; o Observer ficou com o álbum homônimo do The Good, The Bad & The Queen; a NME com “Myths Of The Near Future”, do Klaxons (que toca no Brasil em maio junto com Editors e Yo La Tengo). Veja as 26 listas (e a média final da Metacritic).

O mais engraçado, pra mim, é que recebidos 1/4 dos votos para os Melhores do Ano do Scream & Yell (25 de 100), o disco que lidera a votação neste momento não foi primeiro lugar em nenhuma das 26 publicações listadas pela Metacritic… mas muita coisa pode mudar…

dezembro 30, 2007   No Comments

Sonhar é permitido, viver é permitido

O processo que eu havia iniciado em 2006 persistiu por todo o 2007: meu amadurecimento. Ou, como escreveu o amigo Takeda um dia, o descongelamento. Passamos anos de nossas vidas congelados em um tempo que se foi, mas que não queremos deixar partir. Recusamos o amadurecimento em pró da eterna adolescência. Mas, quer queiramos ou não, a maturidade bate a nossa porta. E quando percebemos estamos descongelando. Dois mil e sete foi um dos anos mais importantes da minha história pessoal. E também da nossa história social, Brasil, saca. Como diria Marlon Brando, muitas coisas que pareciam ser relevantes, hoje não são mais. Posso creditar meu principio de descongelamento ao fato de ter expandido minhas fronteiras: posso dizer que cheguei perto da fronteira do Chile com a Bolívia e, quer saber, é uma experiência e tanto.

Posso creditar também ao fato de que, desde julho, sou um homem casado. Quase casado, ok. Dividir a vida com uma pessoa é algo extraordinariamente revigorante. E por mais que você se julgue mestre em relacionamentos, acredite, há um mundo de diferenças entre namorar uma pessoa e viver com ela. A gente aprende tropeçando, não tem jeito. E talvez essa seja a graça de tudo, e esse é um dos segredos para se manter uma história de amor: humor. Rir nos momentos bons… e nos ruins também.

Conceitualmente, porém, o que mais mexeu com meus pensamentos em 2007 foram dois fatos isolados acontecidos no meu poderoso inferno astral: o assalto em Buenos Aires e o atropelamento na rua da Consolação, dois minutos da porta de casa. É clichê pra caralho, mas não tem jeito: sentir a morte caminhando por perto mexe com a gente. E o atropelamento nem foi algo assim, violento. Mas depois que recebi o impacto, senti a escuridão, e abri os olhos sentindo um gosto de sangue nos lábios e a mão toda arrebentada, impossível não pensar no que poderia ter sido.

Passei algumas semanas pensando nisso, e o estranho é que, entre o mil anos a dez ou o dez anos a mil, sou partidário do mil anos a mil. Eu nunca quis pouca coisa, mas assim que o pessoal do Resgate me imobilizou e me transferiu para a ambulância, eu só conseguia pensar na quantidade de coisas que ainda não tinha feito, que seria uma grande bobagem divina alguém me aprontar uma peça. Era impossível não caraminholar isso: um dos meus grandes amigos sofreu um acidente de carro, foi transferido para o hospital, acordou no outro dia e falou com a família, tudo ótimo, mas quando foram transferi-lo da cama para uma maca, uma hemorragia interna o levou. Ele tinha 21 anos. Eu também. Melhor não arriscar.

O assalto me balançou de outra forma. Deu tudo errado naquele dia. Pior: os sinais eram evidentes, mas mesmo assim demos bobeira. Lili queria conhecer La Boca. Seus livros de arquitetura rendiam elogios ao lugar, porém, La Boca é um dos bairros mais pobres de Buenos Aires. Não dava pra marcar bobeira. A sucessão de erros começou no hotel: inseguro em relação ao dinheiro (R$ 4 mil no total), coloquei R$ 2 mil num bolso inferior perto do joelho esquerdo e outros R$ 2 mil foram guardados numa bolsinha por dentro da calça. Como tínhamos uma encomenda (uma camisa do Boca para o sogro), decidi levar R$ 200 em reais mesmo, para aproveitar a valorização da moeda. E mais 100 pesos para comprar outras coisas, almoçar e tal. Ou seja, eu estava portando aproximadamente R$ 4.500, e não se leva uma quantia dessas em um bairro barra pesada, ok.

Além do dinheiro (que era tudo que tínhamos para seguir viagem – Buenos Aires era o começo), eu levava uma Canon S215 (deve estar uns R$ 1500 por ai) na mochila, além de frutas e nosso guia de viagens, que tinha servido de base para todo o planejamento da viagem. Minha idéia era pegar um ônibus na avenida 09 de Julio (havíamos visto vários no dia anterior) e seguir até La Boca. Encostei numa banca de flores e perguntei para um garoto como chegar a La Boca. Ele respondeu?

– La Boca? Não vá a La Boca.

Eu ri, e insisti, mas ele continuou com o mesmo discurso, repetindo mais duas vezes:

– Não vá a La Boca.

Deixamos o menino e seguimos uma quadra. A idéia do ônibus já não parecia tão boa, então paramos um táxi. Assim que disse ao motorista que queríamos ir para La Boca, ele praguejou algo e nos deixou estatelados na calçada. O táxi seguinte, porém, parou e nos recebeu, mas o motorista não abriu a boca um segundo sequer nos 15 minutos de trajeto. Ele nos deixou logo na entrada do bairro pelo lado do porto, e a primeira coisa que me chamou a atenção foi uma pixação em um conjunto velho de prédios: “Nos precisamos de água quente”. Poucos dias depois que partimos para Santiago, nevou em Buenos Aires. E moradores de La Boca não tinham água quente…

Fizemos o trajeto turístico, com vários seguranças contratados pelos comerciantes locais, e saímos por uma rua em direção ao estádio de La Bombonera, do Boca Juniors, casa que viu Diego Maradona nascer para o mundo. Eu não havia conseguido entrar no estádio nas duas vezes anteriores que eu o tinha visitado, mas desta vez demos sorte, e passeamos pela arquibancada, tiramos fotos, nos divertimos. Coloquei a máquina digital (que é de média pra grande) no bolso da jaqueta e partimos em busca do almoço.

O guia que levávamos falava muito bem de um restaurante italiano em La Boca, e depois de alguns dias devorando bifes de chouriço, experimentar uma boa massa nos pareceu uma grande oportunidade. Nosso erro, porém, foi nos desligarmos completamente do lugar em que estávamos. Olhávamos os prédios, as casas, eu questionava coisas sobre arquitetura, Lili me explicava, até que chegamos a uma grande igreja (duas quadras fora do centro turístico) e bateu um frio na barriga sem motivo. O motivo, na verdade, se revelou na esquina seguinte.

Assim que entramos na rua do restaurante, a Nepuchea, cinco caras nos cercaram. Um deles tirou Lili de lado, e depois de fuçar nos bolsos de sua jaqueta, e ela dizer que não tinha nada, apenas pediu para que ela ficasse em silêncio. Os outros quatro partiram para cima de mim, me jogando ao chão e tentando me atacar como urubus em busca de carne fresca. Não se deve, nunca, reagir a um assalto, mas tem coisas que são mais fortes que a razão. Colei minha perna esquerda no asfalto (no bolso próximo ao joelho havia R$ 2 mil) oferecendo o bolso da direita, que trazia apenas um caderno de anotações. Com uma mão eu segurava a máquina digital, e com a outra tentava atrapalhar o máximo possível a ação dos quatro rapazes. Passava um pouco do meio-dia.

A grande maioria dos assaltos não dura mais do que um minuto ( e existe uma grande porção que dura segundos, e você só descobre que foi assaltado horas depois), mas este deve ter batido os 120 segundos. Quando, finalmente, eles conseguiram retirar minha carteira (e ver os 100 pesos lá dentro) e minha mochila, saíram correndo deixando eu e Lili para trás. A primeira coisa que me veio à cabeça: documentos. Me levantei na hora e sai correndo atrás deles gritando “documentos, documentos”. O rapaz que estava correndo com a carteira a abriu e foi jogando RGs (meu e de Lili), vistos de entrada no país, cartões de crédito e de débito e outros. Resgatamos tudo e fomos acolhidos por uma família dona de um restaurante. Eles chamaram a polícia (que não veio), nos deram alguns pesos para a passagem do ônibus, e nos acompanharam até o ponto.

Tenho certeza que, assim que sai do restaurante, um dos assaltantes me aguardava na porta. Minha intenção era chutar-lhe o saco com toda força e arremessa-lo no meio da rua, mas seria uma grande idiotice. Eu estava com a máquina (que eles devem ter sentido falta na mochila, já que só a capa dela estava lá) e com R$ 4 mil. Não dava para cometer mais um erro. O dono do estabelecimento bateu boca com o cara, o clima ameaçou esquentar, mas fomos levados em segurança até o ponto de ônibus. O senhor se desculpava pelo acontecido como se ele tivesse culpa, e dizia que atrás do porto havia uma grande favela. Lili passou boa parte da viagem acordando assustada, e minha função – além de protege-la – era dar-lhe segurança e calma. Após alguns dias as coisas voltaram ao normal.

Apesar de toda violência (que, na verdade, me rendeu apenas um roxo no lado esquerdo do rosto, que sumiu no dia seguinte), não foi o fato em si que mexeu comigo, mas os pensamentos que dele decorreram. Primeiramente, não tiro a razão daqueles caras. Eu e Lili éramos dois turistas “esbanjando” enquanto eles estavam ali passando fome. É algo como aquela piada que diz “que a sociedade me deve a sua carteira, saco, mano”. Não estou querendo dizer, de forma alguma, que aprovo. Não, não aprovo. Eu sei o quanto Lili e eu ralamos para juntar aquele dinheiro, o quanto planejamos aquela viagem, mas se os assaltantes fossem se preocupar com isso, não teríamos crimes no mundo, não é mesmo. Na verdade, acho que os motivos são mais importantes que o fato.

Caraminholando incessantemente sobre tudo isso, e caminhando os meses seguintes pelas ruas cheias de pobreza de São Paulo, cheguei a conclusão (óbvia) de que se queremos um mundo melhor, precisamos dar o exemplo. Não ria. Eu sei que é piegas, mas numa entrevista que concedi ao amigo Carlos William, da revista Bula, ano passado, respondi assim a seguinte pergunta:

“E o PT?”
“Um sonho que nos apresentou a realidade: não existem sonhos!”

Não quero descambar para o partidarismo (na verdade, quero ficar cada vez mais longe deles), pois sempre votei em pessoas, não em partidos. O que estou querendo dizer é que se já sabemos que não podemos confiar em ninguém, que não existem sonhos quando o assunto é política, dinheiro e poder, então está na hora de fazermos as coisas nós mesmos. E, mais do que nunca, deixarmos o social de lado e agirmos no pessoal. Sim, mudarmos as coisas ao nosso redor primeiro. Sempre fomos acomodados demais, mas precisamos mostrar que se as coisas podem dar certo, elas tem que começar a dar certo dentro da nossa própria casa, do nosso próprio ambiente de trabalho, da nossa família, do nosso bairro. Sempre acreditei que fazer o bem é a melhor coisa que uma pessoa pode fazer para mudar o mundo, e apesar de parecer a coisa mais piegas do mundo, é no que eu acredito realmente.

Não estou fazendo, de forma alguma, uma apologia da cegueira do tipo “feche os olhos para as coisas feias do mundo, para as pessoas que te xingam no sinal de transito, para aqueles que roubam o seu dinheiro, para os políticos que fazem da nossa capital federal um grande e nada engraçado circo”. Precisamos acreditar na Justiça, evitarmos a tolice (pois, como escreveu Blake, “se os outros não forem tolos, nós teremos que ser”) e buscarmos um mundo melhor. Quero chegar aos 100 anos, como Niemeyer, de preferência em um mundo muito melhor do que este que vivemos agora. Por mais que as grandes empresas nos queiram longe das decisões importantes (já leu o poderoso “Sem Logo – A Tirania das Marcas em Um Planeta Vendido”, de Naomi Klein?), a força está em cada um de nós. E nós podemos construir um mundo melhor a partir da nossa história pessoal, das coisas que vivemos, das pessoas que conversamos, das idéias que trocamos, da camiseta que vestimos. Tenho pensado muito nisso. E acho que essa é uma boa maneira de começar 2008: acreditando em um mundo melhor, apesar de assaltos, atropelamentos e partidos políticos. Apesar de tudo.

Feliz ano novo para todos nós. E força sempre.

Ps. Não esqueça: sonhar é permitido, viver é permitido. Sonhe. Viva.

Feliz 2008.

dezembro 22, 2007   No Comments

Enquanto o Natal não chega…

– 500 Toques na Revoluttion: esta semana, Jens Lekman, Suzanne Vega e Damon and Naomi
– David Byrne entrevistando Thom Yorke na Wired (você sabe que Radiohead é o nome de uma música do Talking Heads, né?) Aqui
– Diego Medina (ex-Video Hits) apresenta seu novo projeto, o pirado “Zombieoper”, um ensaio sobre o apodrecimento da humanidade em dois atos, assinado por Senador Medinha e Seridée Mondevac. Os dois álbuns estão disponiveis para download gratuito aqui.
– Daniel Peixoto avisa: 11 músicas novas do Montage para baixar no Trama Virtual. Pega.
– Caiu na Internet as cinco faixas que compõe o single “Conquest”, do White Stripes, uma das cinco grandes músicas de 2007. O single traz Beck cantando e tocando piano em “It’s My Fault for Being Famous”, fazendo slide guitar em “Honey, We Can’t Afford to Look This Cheap” e produzindo “Cash Grab Complications on the Matter”. O single ainda traz uma versão “acoustic mariatchi” da faixa título.
– Por último, a Revista O Grito publicou seu Top 25 e ainda traz uma lista especial com os votos de jornalistas convidados, entre eles este que vos escreve. Aqui.

dezembro 20, 2007   No Comments

Açai com vodka

Após uma dúzia de cervejas, papeando sobre misturas alcoólicas, contei que quando meu pai teve uma sorveteria em uma cidadezinha do interior, anos e anos atrás, uma das metas de minhas férias escolares era descobrir qual sorvete combinava melhor com uísque.

Morango e limão foram reprovados, mas chocolate e creme passaram com louvor. A Ligelena, que estava na mesa, contou que adora sorvete com vodka. Eu tinha comentado na mesa algo sobre minha vontade de comer açaí, foi quando deu o estalo na mesa: o que será que vai dar misturarmos vodka com açaí?

A Juliana não quis nem saber (depois, aprovou). O Guto protestou contra o uso de banana e granola. Eu, Jonas, Renata e Ligelena nem ligamos e aprovamos a mistureba toda. Depois que “bebemos” a primeira cumbuca na colher (com uma senhora dose de vodka), pedimos outra, que atendendo aos pedidos do Guto, veio sem granola, mas com banana. Desceu tão bem que já virou um dos pratos especiais do reveillon da turma.

dezembro 18, 2007   No Comments

Inteligência a favor da música

Dizer, a essa altura do campeonato, que Fernanda Takai sempre teve um jeito de Nara Leão é menosprezar a inteligência do ouvinte. Não que a semelhança inexista, mas é que usar esse argumento após o lançamento de “Onde Brilhem Os Olhos Seus” (álbum em que a vocalista do Pato Fu interpreta canções cantadas outrora por Nara) é mais do que chover no molhado: é render-se ao mínimo divisor comum das letras. E “Onde Brilhem Os Olhos Seus”, por sua imensa qualidade, não merece isso.

Fernanda Takai sempre trafegou – de mãos dadas com o parceiro e marido John Ulhoa – em um território totalmente diferente do de Nara Leão, o do pop rock inteligente (algo raro em um mundo que valoriza o desgaste de fórmulas de sucesso). Nesta investida do casal (sim, “Onde Brilhem Os Olhos Seus” não é só um disco de Fernanda, mas também de John) por um território quase que totalmente desconhecido (o Fu brincou com o samba no batucão “G.R.E.S.” e no sambinha “Tribunal de Causas Realmente Pequenas”), o que mais chama a atenção é a não rendição as fórmulas fáceis.

Sim, pois por mais que o Pato Fu tenha se tornado uma instituição inatacável dentro do famigerado cenário brasileiro (importante: seguindo seus próprios passos) injetando genialidade num lugar caracterizado por monotonia, as fórmulas vão estar sempre presentes para que os “espertos” esvaziem os bolsos dos incautos. E não é que se esperasse de Fernanda e John, após tantos anos de bons serviços prestados a música brasileira, um salto ao lado negro da força, mas sacumé, o que esperar de um repertório calcado por clássicos incontestes do quilate de “Com Açúcar, Com Afeto”, “Luz Negra”, “Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos”, “Insensatez” e “Ta-Hi”?

Porém, Fernanda e John surpreendem acolhendo este repertório de clássicos do cancioneiro nacional e os renovando com arranjos espertos que passeiam pelo “pop, rock, folk, jazz, dixieland, baião-techno e soul branco”, como analisa um dos idealizadores do projeto, Nelson Motta, no belíssimo trabalho gráfico do CD. Entre os pontos altos se destacam a fofa “Diz Que Fui Por Aí” (Zé Kéti / Hortensio Rocha), a deliciosa “Odeon” (Ernesto Nazareth / Hubaldo / Vinicius), a belíssima “Com Açúcar, Com Afeto” (Chico Buarque) e “Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos” (Roberto e Erasmo).

O que mais chama a atenção neste trabalho é a autoralidade da produção de John, que valoriza as canções e as transporta para um território conhecido (aquele em que o Pato Fu trafega com tranqüilidade) sem agredir as matrizes originais. Seria fácil e simplista demais para Fernanda fazer um disco homenageando Nara que soasse exatamente como Nara Leão soava.

“Onde Brilhem Os Olhos Seus” segue outro caminho: é a Nara travestida de Pato Fu (várias canções do álbum encaixariam perfeitamente no repertório da banda mineira), numa aproximação de Fernanda com Nara que, além de homenagear uma das grandes interpretes da MPB, permite valorizar uma das grandes personalidades musicais de nossa música atual: Fernanda Takai. E é nesse aproximação que o álbum consegue seu maior intento: valorizar duas interpretes que souberam, cada uma ao seu modo, usar a inteligência a favor da música.

dezembro 17, 2007   No Comments

Niemeyer, 100

Aprendi (e estou aprendendo) a admirar a arquitetura. Eu já tinha dividido apartamento com uma querida amiga arquiteta e quase namorado uma quase arquiteta, mas o meu modo de ver a cidade (“veracidade – haverá cidade”, ops, piada interna) mudou completamente quando Lili entrou em minha vida. Casas, prédios, construções, nomes de arquitetos passaram a fazer parte da minha rotina, e eu comecei a gostar disso.

Isso tudo aconteceu, em larga escala, por culpa não só de Lili, mas também de suas (e minhas) queridas amigas Ligia e Kátia. Ver Lili, Ligia e Kátia conversando/discutindo arquitetura é algo bastante inspirador. Parece conversa de boteco sobre futebol, mas elas estão falando sobre os maiores arquitetos do mundo, suas obras, concordando e discordando sobre coisas que eu nem mesmo consigo emitir uma opinião. É bonito de se ver, garanto.

Foi por influência de Lili que aprendi a curtir muito mais o mundo a minha volta, e por conseqüência, descobri um Rio de Janeiro totalmente novo em nossas viagens a cidade maravilhosa. Faz anos que faço uma viagem anual ao Rio. Amo a cidade, o ar, as praias, tudo. Mas ir ao Rio de Janeiro com uma arquiteta é algo bastante diferente. O roteiro passa também por pontos turísticos, mas existem muitos outros que um não arquiteto consegue imaginar.

Na última vez que fomos fizemos um tour com base nos mapas do “Guia de Arquitetura Moderna do Rio de Janeiro”, e foi muito legal. No roteiro, obras como o Palácio Gustavo Capanema (Ministério da Educação e Cultura), marco da arquitetura modernista brasileira (que envolve os nomes de Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Carlos Leão, Jorge Machado Moreira, Affonso Eduardo Reidy, Ernani Vasconcelos, Roberto Burle Marx e Lê Corbusier) , o Edifício Sede da Petrobras (meu preferido – foto), o Edifício do BNDES, o MAM e o Parque Guinle (queremos morar lá, um dia – olha a vista), entre outros.

Porém, apesar de aprender a admirar estas obras, nunca achei que fosse ficar sem ar diante de uma. E isso aconteceu (e acredito que vá acontecer sempre) nas duas vezes que visitei o Museu de Arte Contemporânea de Niterói, o MAC, obra de Oscar Niemeyer. Eu já tinha esbarrado em várias obras do Niemeyer aqui e ali em minha vida (gostado mais de umas do que de outras), mas o MAC foi algo bastante especial.

Na primeira vez, fomos eu e Lili. Descemos um ponto de ônibus antes, e foi legal porque permitiu observar o museu de longe. Ele surge do nada, quase uma curva, e realmente parece um OVNI que pousou na beirada de um despenhadeiro. Conforme você se aproxima, ele vai se tornando imponente, e impressionando, mas nada se compara a belíssima visão que temos dentro do Museu. A área de exposição é minúscula e, não tem jeito, compete com a maravilhosa “varanda”, área que traz uma grande janela aberta para a Baia de Guanabara. É inesquecível.

Por mais que me sinta tentado, porém, é pretensão demais da minha parte escrever algo sobre arquitetura tendo estas três experts na sala de casa discutindo o tema com a mesma facilidade com que discuto cultura pop com os amigos. Então, longe de querer soar xereta bisbilhotando em território alheio, deixo este post singelo como uma sincera homenagem ao senhor Oscar Niemeyer, que ontem completou 100 anos. Em algum momento da visita ao MAC meus olhos encheram de lágrimas, e é preciso reconhecer e agradecer quando alguém toca nossa alma dessa forma. Niemeyer, parabéns. E Lili, Ligia e Kátia, obrigado por terem aberto essa porta.

dezembro 16, 2007   No Comments

Música do ano, banda do ano

O Terminal Guadalupe (responsável pelo grande disco de 2007, “A Marcha dos Invisíveis”) está disponibilizando em seu My Space uma versão ao vivo de “Grupo de Extermínio De Aberrações” (música do ano), do Violins, a grande canção de 2007. Presente em shows recentes do TG pelo país, essa gravação foi registrada na noitada que reuniu Violins e TG em Curitiba, no mês passado, e que deveria ter contado com a presença deste DJ eventual, caso o trânsito de São Paulo não tivesse praticamente parado naquela sexta-feira. Essa versão do Terminal Guadalupe para “Grupo de Extermínio De Aberrações” conta com a participação de Beto Cupertino, letrista e vocalista do Violins, nos vocais.

dezembro 14, 2007   No Comments

Noitada divertida

Com a chuva insistente, poucas pessoas se arriscaram a ir ao Studio SP nas noite de ontem, e perderam uma balada pra lá de divertida. No palco, garotas semi nuas, o mestre Loop B dando uma aula de batucada em peças de lata e Aguilar comandando a bagunça. Assumo que eu tinha medo desse show, e quer saber: ele está correndo um sério risco de integrar a minha listinha de Top 5 de Shows Nacionais deste ano.

No repertório, canções oitentistas como “Você Escolheu Errado Seu Super-Herói” e “Monsieur Duchamp” e coisas novas como “Come Chocolate” e “A Dama do Cyber-Espaço”. Show divertido, garotas bonitas, me arrependi de não ter levado a digital. Na discotecagem o set foi totalmente desencanado. Do que lembro foram as canções abaixo. Com meia dúzia de Bohemias correndo nas veias, voltei pra casa por volta das duas (acho) caminhando pelas ruas de São Paulo. Tava com saudade disso…

Rolling Stones – Rain Fall Dawn
Kaiser Chiefs, Flowers In The Rain
Radiohead – Bodysnatchers
Mika – Can’t Stand Losing You
Beck – New Pollution (Remix)
Interpol – Slow Wands (Brit Remix)
Bloc Party – Banquet (Remix)
Calexico – Love You Tears Us Apart
The Doors – Alabama Song
The Rolling Stones – Get Off Of My Cloud
Grant Lee Bufallo – The Shining Hour
Morphine – Cure For Pain
Corinne Bailey Rae – Steady, As She Goes
Guillemots – Made Up Love Song #43
Wilco – A Shot in the Arm
Teenage Fanclub – About You
Afghan Whigs – Somethin’ Hot

dezembro 13, 2007   No Comments

Papai Noel mandou um recado

Seguinte, não lembro ao certo quantas vezes insisti para que alguém comprasse algo, seja um CD ou um livro. Acho que já escrevi várias vezes “vá ver este filme”, mas nunca “compre este livro”. E, pelo que me lembro, insisti em um texto para que o leitor comprasse o “Songs For The Deaf”, do Queens of The Stone Age (muito embora eu tenha ido fuçar o jornal Alternative Voices, em que eu tinha uma coluna, visto a resenha, e não encontrado a frase “compre, compre, compre”).

Se grana fosse solução e não um problema, eu juro que entraria numa pilha de mandar um livro de natal para s leitores que me escrevessem, mas como isso ainda não pode acontecer (um dia ganharei o meu primeiro milhão, espere) devido ao estado calamitoso da minha conta bancária, vamos fazer um trato: eu escolho o seu presente, aquele que você vai dar pra si mesmo, você compra, e quando a gente esbarrar em algum lugar (show, festa, discotecagem, jogo do Corinthians na segunda divisão), leva o livro que eu escrevo: “Do Mac, com carinho, para…”

Tô falando sério.

O lance é o seguinte. Recebi hoje, via Submarino, meu presente de natal pra mim mesmo: “1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer”, editora Sextante. O livro é um calhamaço de quase mil páginas (960 para ser preciso) e – na passada de olho que dei – vale muito a pena. Li textos sobre “Born In The USA”, do Bruce Springsteen (”Em seu espírito – amor, ar e honestidade – este álbum é pura alma e coração”), “Ocean Rain”, do Echo and The Bunnymen (”Enquanto o U2 e o Simple Minds tocavam em estádios, o Echo percorria as ilhas da costa oeste da Escócia; ‘Ocean Rain’é a prova do que, em última instância, essa escolha foi mais compensadora”) e “Beach Samba”, de Astrud Gilberto (”Quem pode resistir a um disco que começa com: ‘Stay… and we’ll make sex and music’”).

Ou seja, faltam 998 outros discos para eu ler (e muitos para escutar), mas não é sobre esses discos que eu quero falar. O que quero dizer é que você merece esse livro de natal. Mesmo. Comprei o meu no Submarino por R$ 37,30, frete gratuito (até onde sei, pra todo Brasil), e poucas vezes a relação custo/investimento foi tão proveitosa quanto neste caso. Seria muito melhor se eu tivesse com os links patrocinados ativos no site (para o ano que vem, para o ano que vem), assim até eu conseguia faturar alguns centavos com cada compra que saísse daqui (sacumé), mas a idéia mesmo é que você tenha esse livro em seu colo antes do final de ano, para começar o ano bem. Pois “1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer” é cultura pop de alta qualidade.

Deixa de comprar quatro Rolling Stone (você acha em sebo fácil depois), manera nas vódegas na balada (ao invés de beber três por noite, bebe uma pinga e pronto), aproveita a oportunidade para dar um tempo no cigarro, economiza e compre este livro para você mesmo. Sobretudo, devore cada pedaço dele como se fossem variações da sobremesa que você mais gosta. Tem coisas neste livro para as quais você ainda não está pronto (nem eu), mas que um dia você irá ouvir e, quem sabe, gostar. Coisas de jazz, blues, punk, metal, disco, soul, hip hop, música experimental, dance, world e, claro, o recheio, rock e pop. Coisas finas, garanto.

Decidi escrever tudo isso acima, com toda pieguice que esse texto permite, porque eu adoraria que alguém empurrasse esse livro sobre mim se eu não soubesse da existência dele. E, cá entre nós, se você “perde tempo” visitando este espaço rotineiramente (sei lá, uma vez por dia, por semana, por mês, por ano), este livro é a sua cara, como é a minha. Vai lá. Este é o presente que Papai Noel (velho batuta) quer te dar neste ano. Tem gente que queria um carro, uma casa, o box com as dez temporadas do Friends ou um ticket para assistir a um dos shows da volta do Led Zeppelin, mas estou feliz com este livro em meu colo. Espero que você também fique. Vai lá. Sid Vicious está te encarando.

Feliz Natal

dezembro 11, 2007   No Comments